O tema não agrada aos populistas de todos os partidos e é incómodo para quem, mesmo concordando, receia ser alvo desses mesmos populistas mas tem de ser trazido à discussão: precisamos de pagar (substancialmente) mais aos políticos em Portugal, em especial a quem ocupa posições executivas de grande responsabilidade, como Ministros e Secretários de Estado. Este não é — ou pelo menos não deveria ser — um tema de esquerda nem de direita mas sim de análise racional e bom senso.

As cada vez mais acentuadas dificuldades de recrutamento são complexas e não resultam apenas da remuneração dos cargos. No actual cenário português, a maioria escassa e o cenário de previsível instabilidade política a curto/médio prazo terão certamente pesado também em muitas recusas e manifestações de indisponibilidade. Mas já em 2022, e não obstante o PS ter maioria absoluta, António Costa acabou por fazer escolhas que sinalizam dificuldades de recrutamento semelhantes.

Note-se que as remunerações não são apenas pouco atraentes por comparação com as posições melhor remuneradas no sector privado (com as quais será sempre difícil — e provavelmente indesejável — o Estado concorrer por várias razões) mas também por comparação com posições no próprio sector estatal (por exemplo em Universidades, no sistema judicial, nas forças armadas, no sistema de saúde, em entidades reguladoras e em muitas empresas estatais). Não espanta por isso que as recusas se acumulem e que as dificuldades de recrutamento se vão agravando. Como não espanta também que as bancadas parlamentares — em especial dos três maiores partidos (e não apenas do Chega…) — apresentem (com poucas honrosas excepções) um panorama verdadeiramente desolador de desqualificação.

Com a liberdade que me advém de não ter qualquer filiação partidária nem estar no meu horizonte o exercício de cargos governamentais, coloco a questão: quem aceita integrar um governo sujeitando-se a extremo desgaste, incompatibilidades várias, devassa da vida privada — e ainda por cima com risco de ter de voltar a reorganizar a sua vida num horizonte relativamente curto caso se verifique nova crise política — com uma remuneração tão pouco atraente?

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No contexto actual creio que haverá três respostas principais:

  1. Quem se encontra em situação de dependência da política e/ou, por infortúnio profissional, não consegue melhor opção de carreira neste momento.
  2. Quem considere o exercício do cargo um investimento para beneficiar mais tarde capitalizando os conhecimentos ganhos e as redes formadas no exercício de funções (veja-se o caso de muitos advogados/lobistas para quem ser deputado e/ou governante é um passo intermédio na carreira da advocacia de “negócios” e gestão de interesses).
  3. Os detentores de um extraordinário sentido de serviço cívico (porventura conjugado com alguma vaidade pessoal associada ao decrescente — mas ainda não completamente desaparecido — prestígio associado ao desempenho dos cargos).

Muitos casos individuais serão na realidade resultado de uma combinação de mais de um dos três factores acima resumidos mas, como nos ensina a Teoria da Escolha Pública, será irrealista depositarmos muita esperança na prevalência exclusiva do terceiro motivo (ainda que, naturalmente, gostemos sempre de nos enquadrar a nós e aos nossos amigos nessa terceira categoria ao mesmo tempo que alocamos os nossos adversários às duas primeiras).

Pagar mais não resolverá tudo (continuará certamente a haver muitos incompetentes, corruptos e desonestos na política) mas é uma condição necessária para alargar pool de recrutamento e sem esse alargamento será muito difícil ter uma classe política mais qualificada e melhor governação. Quem deseja realmente combater o populismo e qualificar o exercício da actividade política — e em especial dos cargos executivos — faria bem em dedicar mais atenção e prioridade a este tema. Não há poupança que saia mais cara do que pagar tão mal a quem exerce cargos políticos de responsabilidade.

Para início de debate, consciente das baixas probabilidades de ter sucesso nesta discussão mas com a liberdade que decorre de não estar no meu horizonte ir a votos, proponho aumentar a remuneração dos deputados em 50% e duplicar as dos detentores de cargos políticos executivos, desde o Presidente da República até aos Secretários de Estado.