Num tempo em que as crianças estão mudas porque agarradas aos ecrans, a velha toada da infância doutros tempos renasce mas na política: O Orçamento passará mas a Câmara de Lisboa cairá. Ou pode cair. E é nesse “pode” que os socialistas em particular e a esquerda em geral apostam.

O PS, ou melhor dizendo Pedro Nuno Santos, percebeu que, a não ser que algo de politicamente extraordinário aconteça, não ganha nada em chumbar o próximo Orçamento. Aliás, se chumbar o OE, Pedro Nuno arrisca-se não só a não ganhar as próximas eleições como até perder a liderança dos socialistas, pois se, para azar da esquerda, o país fosse para eleições legislativas em 2025, muito provavelmente o resultado seria idêntico ao de Março de 2024 ou até mais favorável a Montenegro. Caso tal acontecesse, até os socialistas concluírem que Pedro Nuno Santos não é o homem de que precisam para chegar outra vez a São Bento teriam passados menos segundos que aqueles que demora o elevador do Altis a descer do 7º andar – piso em que os líderes socialistas aguardam pelos resultados eleitorais – até ao salão do hotel onde fazem as suas declarações de derrota, vitória e resultados assim assim.

Outro objectivo bem mais interessante neste momento para a esquerda é a CML. Em primeiro lugar porque nunca aceitaram a sua perda e portanto é quase uma reposição da ordem natural da política portuguesa. Em segundo, porque nas autárquicas é possível contar com alianças reais ou implícitas que numas legislativas são inviáveis e terceiro mas não por último porque uma derrota de Carlos Moedas terá um efeito de desgaste em Montenegro muito superior ao que terá em Pedro Nuno Santos a não vitória do candidato que vier a apoiar na corrida a Lisboa. Já se, pelo contrário, esse candidato ganhar, Pedro Nuno pode começar a sair dessa espécie de interminável ponto morto em que mantém o PS para irritação de muitos. (Na verdade, o lider socialista não tem alternativa melhor mas depois de anos e anos de poder o PS sente-se na oposição como se estivesse espartilhado num fato que não lhe serve).

Os sinais de que o PS está a olhar para a CML como a sua próxima e mais séria batalha acumulam-se e vão muito além das notícias que dão conta das tentativas de criar uma frente de esquerda em torno de um candidato apresentado pelos socialistas. Vão também esses sinais além dos chumbos recorrentes de projectos que os próprios socialistas defenderam. O último desses chumbos, que só a táctica política explica, aconteceu com o projecto de requalificação de três edifícios abandonados na Avenida Fontes Pereira de Melo. Aprovado em 2021, era então Fernando Medina presidente da CML, o projecto foi agora chumbado pelo mesmo PS e também pelos Cidadãos por Lisboa, Livre e BE (o PCP absteve-se). E porquê? Porque a empresa proprietária destes edifícios em ruínas comprometeu-se a entregar à autarquia uma creche pronta a funcionar em Arroios como contrapartida para a viabilização da recuperação que pretende fazer na Fontes Pereira de Melo. Na versão inicial a creche receberia 42 crianças. Mas agora concluíram os serviços da autarquia que o edifício apenas comporta 34. Estes oito lugares de diferença foram o pretexto para o PS chumbar o projecto. Sim, por oito lugares de diferença numa creche, aqueles prédios arruinados mantêm-se na Fontes Pereira de Melo e 34 crianças ficaram sem creche. Como é óbvio tudo isto se podia resolver (e acredito que se há-de resolver) mas para já o que interessa ao PS é impedir Moedas de apresentar obra.

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Pode dizer-se que nada disto é novo e já se esperava quando Moedas se tornou presidente da CML sem maioria absoluta. É verdade. Novo, novo é o que está a acontecer na forma como o PS olha para a segurança em Lisboa. E repito, em Lisboa. De repente, Lisboa passou a ter um problema de segurança. De consumo de droga. De pessoas que são assaltadas duas e três vezes…  E os comentadores e jornalistas que franzem os seus narizinhos de cada vez que se fala de segurança, ou mais propriamente da falta dela, também eles concordam agora que Lisboa tem um problema de segurança. E repito, só Lisboa. Deste volte face podem tirar-se algumas conclusões. A primeira prende-se obviamente com o domínio cultural da esquerda: um assunto passa de tabu a urgente quando a esquerda o decide. Ou de estigma a dogma inquestionável como sucedeu quando o PS passou a fazer a apologia das contas certas. A segunda conclusão decorre da primeira: a direita paga o preço da sua cobardia ao aceitar que a realidade seja um tabu. Perdeu para os populistas de direita assuntos como a insegurança e a imigração. Agora em Lisboa está a assistir a isso mas à sua esquerda.

A terceira não é uma conclusão mas sim uma pergunta: pode a insegurança custar a CML a Moedas? Há certamente quem acredite que sim.

PS. Entre os muitos artistas que participarão este ano da Festa do Avante algum terá a lembrança de, no palco, pedir liberdade para a Venezuela? Já se sabe que os artistas, sobretudo os que se declaram anti-capitalistas, fazem questão de explicar que actuam onde lhes pagam e para quem lhes paga. Obviamente não serei eu a condená-los por isso embora às vezes me pareça que um bocadinho de coerência entre o que dizem defender e os locais em que actuam não lhes fizesse mal, mas, enfim, vamos ao que interessa: alguém gritará “Venezuela livre!” na festa do Avante?