Donald Trump fez, durante a campanha eleitoral, entre 400 a 700 promessas, segundo diferentes cálculos. Entre as mais sonantes, o muro com o México que o México pagará; o fim do Obamacare; a limitação do acesso de refugiados; a liquidação de diferentes acordos comerciais multilaterais, a começar pelo Transpacífico.
Trump venceu as eleições americanas e é por isso, a justo título, Presidente dos Estados Unidos. É o POTUS (“President of the United States”). E Trump, fazendo jus ao seu estilo avassalador, começou de imediato a cumprir o que prometeu.
Cumprir desde o início as promessas feitas em campanha contraria o que é habitual nos Presidentes eleitos nos EUA, ou em qualquer outra parte do mundo. Em geral, Presidentes e governos recém-empossados levam tempo a tomar decisões, mesmo que respeitem a pontos essenciais dos seus programas eleitorais, em grande medida responsáveis pelas respectivas eleições. E levam tempo, seja porque é preciso enviar as propostas a instituições e entidades com competências consultivas, seja simplesmente para estudar melhor as consequências das decisões e evitar efeitos inesperados perturbadores da ordem social (por exemplo).
Em tão pouco tempo – pouco mais de uma semana – já tanto fez o POTUS! No final do primeiro dia ia já embalada a locomotiva presidencial e ainda não deixou de acelerar. Dia após dia, Donald Trump é um POTUS como nenhum outro desde que o país tem um Presidente (e os Estados Unidos têm Presidente desde que são Estados Unidos).
Sempre por ordem executiva, Trump governa – e cumpre promessas. Uma ordem executiva presidencial, incluída no conjunto mais vasto das acções executivas, não constitui a criação de legislação ou uma decisão de utilização de dinheiros públicos, que só o Congresso pode decidir; é apenas uma instrução ao governo para agir, que deve caber dentro dos parâmetros definidos pela Constituição ou pelos congressistas. Uma ordem executiva está sempre sujeita a ser repelida pelos tribunais, podendo constituir um sinal de abuso de autoridade por parte do Presidente, caso constitua uma alteração de lei e não uma instrução para acção dentro da lei.
A adopção de ordens executivas deve por isso ser sempre ponderada, para acautelar consequências negativas para o país, respeitar a competência do Congresso, evitar inconstitucionalidades e acusações de utilização indevida dos poderes presidenciais. E se é normal um Presidente utilizar ordens executivas para ultrapassar bloqueios parlamentares, como sucedeu com Obama e, por exemplo, as ordens relativas à não deportação dos filhos de imigrantes ilegais, são vulgares as críticas a essa utilização, o que também nesse caso sucedeu.
Ponto pois é que essas decisões sejam a) ponderadas, b) justificadas, c) constitucionais. Fica pois a questão:
As ordens executivas assinadas por Trump na sua primeira semana na sala oval, são ponderadas, justificadas e constitucionais? O governo norte-americano mediu bem as consequências da saída dos EUA do Acordo Transpacífico, deixando um vazio naquela ampla zona económica que a China terá todo o gosto em preencher? O reactivar do oleoduto trans-Canadá (unindo aquele país ao Golfo do México), rejeitado por Obama, levará a um aumento dramático das emissões de carbono (claro, Donald Trump não acredita na tese do aquecimento global, pelo que é possível que a questão tenha sido ignorada); a lei contra o financiamento de grupos que promovam o aborto alguma vez será aplicada nos próprios EUA?; o México paga o Muro ou não?; já há um modelo de seguro de saúde para os mais desprotegidos destinado a substituir o “Affordable Care Act” (aka Obamacare), executivamente condenado a desaparecer? E quanto tempo demorará a entrar em vigor (e quais são os custos); e finalmente, a decisão sobre os refugiados é constitucional?
Trump cumpre as suas promessas? Cumpre. Ou pelo menos parece.
Prometeu acabar com o corrupto sistema político americano, o célebre “establishment”. E já cumpre: ignora os legisladores quando assina ordens executivas, não estabelece com antecedência, em cooperação com entidades governamentais, a admissibilidade das medidas adoptadas, legais e operacionais, como sucedeu com a proibição de entrada no país de nacionais de sete Estados muçulmanos, que levou caos aos aeroportos e à oposição de governadores de Estados, deputados, republicanos e democratas, “mayors” (Obama também já se pronunciou e não foi a favor); e acabou de demitir a procuradora-geral Sally Yates, que teve a ousadia de se opor a essa proibição.
Poderíamos resumir o programa do novo POTUS a três pontos essenciais: abolir a linguagem do politicamente correcto, coisa que Trump tem feito na perfeição, usando fontes variadas (o twitter, claro, mas também o FB e agora, cada vez mais, os seus porta-vozes, a começar por Sean Spicer) e até, reconhecidamente, uma linguagem de verdade alternativa, conceito cunhado por Kellyanne Conway. “Limpar” o sistema político (e não apenas o norte-americano, diga-se de verdade), como referido no parágrafo anterior. E cumprir as promessas.
O POTUS começou logo a cumprir promessas ou, pelo menos, a tomar decisões nesse sentido. Pelo caminho – na forma e no conteúdo – semeia zizanias e colhe inimigos, seus e do país. Nenhum Estado, nem o mais poderoso do Mundo, pode confrontar toda a gente ao mesmo tempo. Mas o principal problema é saber quais, de todas as decisões agora tomadas por Trump por ordem executiva, serão realidade e se, sendo-o, corresponderão às expectativas dos seus eleitores.
Quantas destas medidas virão a ser contestados nos tribunais, como pode suceder com o fim do Obamacare? Quantas enfrentarão a oposição dos Estados federados, como já começou a acontecer, ou até das cidades, como no caso do veto extremo à entrada de refugiados? Quantas terão de sujeitar-se a um caminho das pedras de aprovação por parte das mais variadas entidades, que resulte num adiamento quase sine die, como no oleoduto?
Apesar das rubricas na sala oval, o cumprimento das promessas de Trump pode não passar de uma ilusão. E é também um tributo pago por uma espécie de virtude a um vício que é mesmo indiscutível: a maior parte dessas promessas, a cumprirem-se, dificilmente levará a uns Estados Unidos menos desiguais, a mais justiça social, ao fim da violência nas escolas, a um melhor ambiente, a uma sã cooperação global. Seria uma péssima notícia para os americanos e uma notícia ainda pior para o Mundo.
Não sendo cumpridas, isso será sobretudo mau para Trump, cuja palavra fica posta em definitivo em causa (justamente por não ser um político). Arrisca-se a que a ira dos seus eleitores, frustrados pelo incumprimento do pagador de promessas, seja grande.
Esperemos para ver.