Na última crónica – “O país dos homens providenciais” – recuperei a nossa experiência recente no Europeu de futebol masculino para, a partir daí, fazer uma crítica à habitual aversão que o país tem à mudança, e à forma como somos incapazes de acomodar o risco e a incerteza que acompanham as transformações sociais.

Já os recentes Jogos Olímpicos de Paris estão a mostrar uma faceta paradoxal de uma boa parte do nosso Povo: a crença nas capacidades sobre-humanas dos nossos atletas a quem, não se percebe bem porquê, se exige uma quantidade de medalhas incompatível com o apoio que se lhes dá na hora da labuta. Falando bom português, fica-se com a sensação que por cá não falta quem goste de “galinha gorda com pouco milho”. Um país com apenas 10 milhões de habitantes, bastante envelhecido, com baixa prática desportiva (mais de dois terços da população não pratica qualquer tipo de exercício), em que o desinteresse por tudo o que não seja futebol é conhecido, de quatro em quatro anos descobre que, afinal, tem alguns atletas que, por mérito próprio e com enorme resiliência, são competitivos – vai daí, toca a exigir medalhas.

Não me interpretem mal, não considero que o nível mais elevado de alguns dos nossos atletas deva ser tributado apenas aos próprios, há seguramente bom trabalho de pequenos focos de excelência – treinadores, outros atletas, federações, famílias e aficionados das modalidades – que, não obstante a falta de dimensão do país e de interesse da sociedade em geral, permitem que sejamos, a espaços, competitivos no panorama global. Os resultados consistentes em modalidades como o atletismo, judo, triatlo, natação, ginástica, entre outras, não é – nunca é – fruto do acaso. Exigir, porém, medalhas por medalhas, não compreender que o desporto de elite é altamente competitivo, é um desrespeito a atletas que – todos eles – para estarem nos Jogos, tiveram seguramente um trajeto duro e bem planeado. Poderá ter havido falhas? Acredito que sim, mas não é a parte do nosso país desinteressado pelo desporto quem terá a legitimidade para fazer essa avaliação. Impor medalhas e emitir desilusão pelos resultados é, em Portugal, um capricho, e em certa medida, uma hipocrisia de quem pede o que não dá e exige o que não faz.

À semelhança do que vimos no europeu de futebol, também aqui deveríamos pôr os olhos em Espanha. A comparação é inevitável e bastante elucidativa. Em 1992, os Jogos Olímpicos de Barcelona marcaram um ponto de viragem para os nossos vizinhos. Com um recorde de 22 medalhas, Espanha demonstrou que o sucesso não é obra do acaso, mas sim resultado de um esforço consistente e planeado. Desde então, Espanha tem brilhado em inúmeras modalidades, não apenas no futebol. Esse sucesso é fruto de um trabalho de base fantástico, de uma sociedade – enfatizo, de uma sociedade – que se organizou e investiu no desporto de forma coerente e contínua.

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Portugal, infelizmente, ainda depende de epifenómenos, de momentos de génio individual que surgem apesar das dificuldades. A nossa abordagem ao desporto, e em particular ao desporto olímpico, não deve, porém, ser surpresa para ninguém, pois reflete uma certa atitude geral perante a mudança e o progresso. Não é incomum pedirmos muito, quando damos pouco. Temos grandes expectativas, mas raramente criamos as condições necessárias para que elas se realizem.

São várias as áreas onde Portugal está a fazer bem: nas indústrias exportadoras (do têxtil, ao calçado, da agricultura ao turismo). Onde há planeamento, cooperação e persistência. A boa performance nestes setores não nos deve fazer esquecer que grande parte dos problemas que enfrentamos, hoje, são consequência da impreparação e dificuldade de acompanhar a mudança e de assinalar persistência. Temos problemas na habitação ou na saúde? Há dificuldades graves no ensino, com o envelhecimento da população e do pessoal docente? As nossas forças armadas e policiais enfrentam uma profunda crise? A justiça não responde aos nossos anseios? Tudo isto acontece, não por acaso do destino, mas porque temos sido pouco exigentes na hora de escolher quem nos governa, apostando em soluções políticas que não resolvem as nossas falhas estruturais.

Temos sido sempre bons a exigir resultados, aos atletas, ao sistema político. O sucesso – o que não se faz de epifenómenos – não é, contudo, obra do acaso: é o resultado de um esforço contínuo e de escolhas certas. O fracasso, esse, é a consequência natural da inação ou das más escolhas. Saibamos fazer boas escolhas e ser persistentes. E naturalmente teremos as medalhas que tanto desejamos.