… mas a responsabilidade não é do governo – diz o PS! Pelo contrário, é o professor de economia Ricardo Cabral quem termina a sua página do Público de dia 15 com um parágrafo idílico onde se escreve que, «mesmo considerando o efeito decorrente das medidas de confinamento social em 2021, os indicadores sugerem que a actividade económica portuguesa regista um momento particularmente bom, com taxas de crescimento económico reais que não se observam há décadas».

Qualquer de nós pensaria o contrário depois de o autor ter escrito antes ser «provável que a taxa de inflação se mantenha a níveis elevados na área do euro, o que não deixará de gerar dificuldades acrescidas à política monetária do BCE»… Mas, aparentemente, não a Portugal! Com efeito, estando ainda o país a beneficiar menos do turismo do que antes da pandemia e não sendo muitas das receitas mais do que reflexos de uma inflação de 10%, o autor não só silencia totalmente a continuação da guerra como parece ignorar a recessão de países do porte dos Estados Unidos e da China, bem como parte da UE. E tão pouco fala do aumento contínuo da dívida pública portuguesa, cujo montante bateu todos os records bem como os juros dos novos empréstimos.

Numa conjuntura destas, mesmo com o dinheiro gratuito do PRR e os consabidos Fundos Europeus, é difícil imaginar o país a contrariar as tendências bélicas e económicas dominantes da actual conjuntura. E sobretudo não é verosímil que os governos do PS façam bem o que sempre fizeram mal. Mais do que um exemplo, os maiores incêndios florestais que temos visto nos últimos tempos são a prova da incompetência e do clientelismo com que têm sido geridos pelos governos, sendo de recordar as responsabilidades pessoais do actual primeiro-ministro neste campo, já que foi ministro da Administração Interna no primeiro governo Sócrates de 2005 a 2007.

Não é por acaso, com efeito, que Portugal é, simultaneamente, o país da Europa cujas florestas mais ardem proporcionalmente ao tamanho e cuja propriedade é de longe a mais privatizada, facto este que resultou de um golpe jurídico promovido pelo PCP após o 25 de Abril na perspectiva de colectivizar os baldios anteriormente geridos pelo sector público. Com a emigração, o envelhecimento e a morte dos agricultores do século passado, as florestas ficaram, como se vê, ao deus-dará.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Quanto à propriedade, basta dizer que Portugal é de longe o país onde a floresta foi mais privatizada: os actuais proprietários, além de serem muitas vezes desconhecidos, dada a ausência de recenseamento rural no Norte do país, são donos de mais de 95% da área florestal, a qual representa um terço do território nacional mas apenas 2% da floresta europeia (Eurostar Statistical books. Agriculture, forestry and fishery statistics, 2014, 141)! O que fazer então? É mais uma questão demasiado melindrosa para o PS lhe mexer e assim continuará enquanto o país não tomar consciência da realidade!

Outra questão melindrosa que os governos também não se atreveram a alterar até hoje, apesar dos sucessivos incêndios rurais, é a continuação dos chamados bombeiros voluntários, sem ordenado nem treino regular, assim como sem os suportes necessários para o exercício da profissão. Ora, esta relíquia do passado político-administrativo que é o voluntariado constitui mais um – entre muitos – dos mecanismos clientelares dos grupos partidários locais.

Ora, enquanto os bombeiros não forem profissionalizados, remunerados como todas as profissões e devidamente enquadrados pelos diversos técnicos especializados, continuarão pois a depender dos caciques locais. Enquanto tal durar, só se podem esperar falhas de organização e de profissionalismo, tanto mais lamentáveis quanto a evolução climática e demográfica do país exige já essa profissionalização e continuará a exigir no futuro. As provas do clientelismo reinante chegam todos os dias à comunicação social apoiada financeiramente pelo governo!

O PS pretende manifestamente apresentar os sucessivos incêndios florestais como mais um mero fenómeno conjuntural e continua a fazer o mesmo que faz com a pandemia, quando os óbitos, e sobretudo a chamada «mortalidade excessiva», atingem hoje os valores proporcionalmente mais elevados da Europa. Ora, ainda a pandemia ia no adro, já cientistas portugueses começavam a investigar o fenómeno das «mortes a mais», mas tiveram de desistir devido à intervenção da DGS, como comentei na altura!

Hoje, seja no plano macro-económico; seja no plano político-militar; sejam sucessivos percalços como os incêndios sem controlo; a liquidação do SNS; bem como o atraso e empobrecimento do sistema escolar, assim como os prometidos cuidados infantis, o tal governo absoluto do PS sobrevive graças à agitação propagandística do PR e, sobretudo, à ausência de oposição organizada e esclarecida. Por motivos diferentes, nem o PSD nem o Chega estão à altura. Só a Iniciativa Liberal parece ter noção do que é preciso fazer mas não possui o tamanho suficiente. Quanto ao resto, esqueçam!