Devo confessar que sempre suspeitei que os dados fornecidos todos os dias pela Direcção-Geral de Saúde (DGS) não eram totalmente fidedignos e é verdade que, de forma geral, não confio nas notícias dadas pelo actual governo. A isso acresce que a comunicação social não fez qualquer pesquisa séria a este respeito. Daí, aliás, que me tenha parecido muito suspeita a oferta governamental de dinheiro aos media privados em nome da pandemia… Não perguntem porquê: parece óbvio, não? Em contrapartida, até há pouco não havia meio de saber o que se passa realmente no terreno… Afinal, o problema é universal. Só as autoridades portuguesas é que fingem ignorá-lo!

A descoberta acabou por ser fácil: basta ver que todos os dias o jornal espanhol «El País» divulga os dados fornecidos pelas autoridades locais sobre a evolução da pandemia. Mas, ao contrário da DGS, esses dados têm um lugar específico para aquilo que os especialistas designam por «excesso de mortalidade». A esta menção, segue-se a devida explicação. Já anteriormente, o jornal francês «Les Echos» havia tropeçado com o mesmo problema. Recentemente, o fenómeno foi também estudado em Portugal mas não consta do anúncio diário da DGS e dos «media» financiados pelo Estado.

Com efeito, é hoje do domínio público que esta pandemia é acompanhada universalmente por um significativo excesso de mortalidade em relação à média nacional de óbitos ocorridos no passado na mesma altura do ano. Em Inglaterra, é a própria BBC que o divulga diariamente, citando uma observação do Professor Peter Ratcliffe, Prémio Nobel da Medicina de 2019, segundo o qual os governos não são necessariamente responsáveis por estas mortes colaterais mas nem por isso Ratcliffe «tem qualquer simpatia por quem continua a ocultar os factos»!

Efectivamente, é disso que se trata em Portugal. Não é que a DGS ignore o «excesso de mortalidade» mas por alguma razão o oculta. Mesmo sem ter em conta que os acidentes de trânsito e de trabalho diminuíram sensivelmente durante o confinamento, o que diminuiu os óbitos, mesmo assim, conclui-se dos resultados do estudo dos investigadores portugueses citados que o excesso de mortalidade ocorrido entre 19 de Março e 22 de Abril foi três a cinco vezes superior aos óbitos por Covid-19 reportados pela DGS. Segundo os mesmos investigadores, aquilo que os preocupa «será o excesso de mortalidade global e é isso que deverá ser, em primeiro lugar, comparado entre países».

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Pessoalmente, não tenho meios nem competência para fazê-lo, mas já posso dizer que, comparado com os dados publicados no «El País», o excesso de mortalidade parece ser maior em Portugal do que em Espanha. No plano internacional, crê-se que esse «excesso» se reparte – não se sabe exactamente em que medida – entre óbitos devidos à pandemia mas mal registados e um número muito elevado, observado ao mesmo tempo em vários países, de pessoas que morreram por não terem recorrido ao SNS, eventualmente por receio de contaminação, ou por não terem conseguido aceder ao SNS por incapacidade de este acolher todas as pessoas que a ele recorreram, nomeadamente as «urgências».

Acrescem em Portugal e não só diferenças regionais enormes que a DGS nunca quis ter em conta, pelo menos publicamente. Ora, essas diferenças, que se podiam ver num mapa entretanto desaparecido do «Público», não podem ter deixado de aumentar a pressão sobre os profissionais de saúde em locais como a região do Porto onde, após quase dois meses de óbitos, continua a ocorrer a maioria dos «novos casos», concretamente mais do dobro da região de Lisboa, enquanto noutras regiões se encontram profissionais e meios sem a mesma carga ocupacional. Não ter recorrido à segmentação pandémica do território nem ter determinado regras de confinamento e desconfinamento segundo as características sócio-demográficas das áreas do país, é outro erro que só pode ter os habituais motivos político-partidários, como o que sucede com o PCP e com Fátima, e os respetivos custos humanos e materiais.

Decididamente, é lamentável a obstinação da DGS em manter o segredo sobre a localização dos óbitos, seja em termos geográficos, isto é, dar a conhecer os óbitos por concelho de forma a explicar as causas locais e evitar as suas consequências; seja em termos de localização dos óbitos: em casa, nos hospitais públicos, no sector privado ou nos chamados «lares para idosos», onde terão muito provavelmente ocorrido mais mortes do que as registadas pela DGS.

Com efeito, estas informações têm sido negadas – para não dizer escondidas – ao público, o que impede este de se defender melhor do vírus. Convém, de facto, não fazer de conta que a pandemia vai ficar por aqui e que não voltará a atacar em força antes da desejada vacina, a qual, por alguma razão científica, tarda a surgir. Assim como tardam a ser conhecidas medidas passíveis de reduzir o «excesso de mortalidade».