1 Por paradoxal que possa parecer, depois da crise política e da convocação de eleições, todos os líderes políticos definem o mesmo objetivo para as eleições, ao mesmo tempo que criticam os outros partidos por partilharem esse objetivo. Quando se referem ao próprio partido pretendem reforçar a sua votação e sobretudo a sua representação parlamentar para que as suas propostas, as que verdadeiramente servem os interesses do povo e do país, tenham acolhimento. Quando a crítica é aos outros partidos a agulha muda. Por exemplo, para BE e PCP, o PS o que pretende é a maioria absoluta para os dispensar. É verdade, mas o que António Costa e o PS pretendem é, no essencial crescer, como todos os partidos. A diferença é que, de acordo com as sondagens, só o PS está perto de a poder alcançar.
Aquilo que distingue os líderes partidários são os muros que cada um ergue e as vias abertas que mostram para os cenários pós eleitorais. Como referi em anterior artigo estamos perante um cenário de potencial ingovernabilidade e ela é agravada quando os partidos fecham portas. Veja-se a fragilidade da argumentação de Rangel afirmada há semanas e reafirmada ontem em entrevista ao Expresso onde diz “O voto no PS hoje é um voto inútil, porque não pode fazer coligações à esquerda. E não vai haver bloco central. Com o PS não vai haver estabilidade”.
Refraseando e adaptando: “O voto no PSD hoje é um voto inútil, porque qualquer coligação à direita depende do apoio volátil do Chega. E não vai haver bloco central. Com o PSD não vai haver estabilidade.” Sim, sabemos que Rangel está agora em campanha nas diretas do PSD e o que diz é sobretudo para os militantes e também na perspetiva do voto útil. Já Costa, respondeu por antecipação a Rangel.
No que disse e não disse na entrevista desta semana à RTP é claro. Nesta nova legislatura o contador volta a zeros pois é um novo ciclo que se abre. Deseja a maioria absoluta, mas se não a tiver, nem coligado com um pequeno partido (PAN ou LIVRE), recusa-se a deixar acantonar o PS à esquerda dado o desfecho deste OE. Fará conversas à esquerda naturalmente, mas se elas forem inconclusivas não rejeitará a viabilização de OE por parte do PSD. Rio tem uma posição semelhante, não quer bloco central, mas caso o PSD ganhe as eleições não descarta e até vê com bons olhos acordos sobre reformas estruturais com o PS.
2 A ingovernabilidade é um risco e obviamente que a possibilidade de sair do pântano político actual dependerá, primeiro dos votos dos portugueses e depois da sageza dos atores políticos face aos resultados eleitorais. Os cenários possíveis, à luz das sondagens atuais, para alguma estabilidade política (que é um valor a par da estabilidade social!) são sobretudo dois. Uma maioria absoluta de PS (favorecida se PSD e CDS concorrerem separados), ou conseguida com pequenos partidos de centro esquerda ou centro-direita. Prefiro claramente a segunda opção por razões que expliquei em anterior artigo. Não vejo grandes condições para que se consiga um acordo político do PS com BE que já disse, e bem, que só com papel escrito. Muito menos com o PCP que não o quer. Caso qualquer uma dessas maiorias absolutas (só PS ou em coligação) não seja viável, quer pela aritmética de mandatos quer pela falha de negociação, a existência de alguma estabilidade deriva sobretudo de quem for o líder do PSD. Se for Rio ela existirá pelo menos nos anos iniciais, se for Rangel não. Note-se que na referida entrevista recusou responder à pergunta se viabilizaria tal governo minoritário PS. Acho que intimamente considera que sim, mas não o pode dizer pois a maioria dos seus apoiantes, nessa circunstância, achariam que não (Relvas, Montenegro, Hugo Soares) e eles seriam predominantes na decisão.
O cenário do PSD ganhar as eleições, mesmo considerando a margem de erro das sondagens, é muitíssimo pequeno e nem Rio nem Rangel acreditam nele, apesar de, noblesse oblige, dizerem o contrário. Mas caso se efetivasse, daqui não resultaria nenhuma estabilidade pois o PSD ficaria dependente do Chega que mostrará as suas fragilidades e divisões quando for grupo parlamentar.
Aquilo que o Presidente da República disser e fizer também pode ajudar à estabilidade. Marcelo veio a terreiro esta semana clarificando que vai esperar por ver os resultados eleitorais e que não exigirá acordos escritos, contrariando aqueles que, como nós, os defendem como instrumento da estabilidade política. Percebo que Marcelo tome esta posição preventiva de dizer que não vai exigir aquilo que sabe que não pode constitucionalmente exigir, e no contexto de um parlamento que não pode ser dissolvido. Mas espero que isso não signifique que não coloque toda a sua magistratura de influência para conseguir esses acordos que, em última instância, dependem da vontade dos partidos.
As saídas do pântano seja com maioria absoluta, coligações maioritárias ou meros acordos de incidência parlamentar darão algumas condições de estabilidade política e governabilidade. Um governo minoritário, sem nenhum tipo de acordo, seria uma indesejável navegação à vista. Porém, a verdadeira saída estrutural do pântano político a um prazo mais longo passa essencialmente pela requalificação dos atuais partidos políticos e por uma reconfiguração do espectro partidário com o reforço do peso de pequenos partidos moderados (existentes ou a criar) em detrimento de partidos mais radicais.
PS. Sair do pântano é sobretudo governar para as gerações presentes sem esquecer as gerações futuras. Neste sentido recomendo o Livro “Governar para as próximas gerações: sucessos e fracassos de políticas de longo prazo em Portugal (1995-2019)” de D. Cardoso, C. Moury, A. P. Costa e M. Escada a ser lançado na Almedina (Atrium Saldanha) em Lisboa esta terça-feira às 18h.