O PS não queria falar sobre Sócrates – o homem que os socialistas em tempos veneraram, cujos camaradas hoje governam, e que instrumentalizou o poder para criar uma tentacular rede de corrupção. Agora, o PS também não quer falar sobre Manuel Pinho – o ex-ministro de Sócrates que, secretamente e através de offshores, Ricardo Salgado corrompeu com pagamentos fixos (cuja soma ascende a 2 milhões de euros), incluindo no período em que este, no governo, decidiu sobre matérias do interesse do BES. Em suma, o PS nunca quer falar do que não lhe convém: afinal, como explicar ao país que o partido foi instrumento das maiores redes de corrupção da democracia portuguesa? Como tal, a discussão actual na sede socialista limita-se à gestão do “incómodo”que os casos de corrupção estão a provocar. Tradução: o PS acha que pode passar pelos pingos da chuva sem se molhar. E o mais inquietante é que, tudo indica, acha correctamente: o PS não fala e ninguém parece motivado para forçá-lo a falar.

Os indícios de corrupção que recaem sobre Manuel Pinho têm alcance para colocar um regime democrático de luto. O esclarecimento é, portanto, matéria de interesse público e, em especial, dever daqueles que lhe atribuíram protagonismo político num governo, com pasta de ministro. Ora, o silêncio do PS perante o terramoto pode ser eticamente ultrajante, mas tem uma orientação estratégica: na medida do possível, o PS ganha em prevenir que o tema alastre e prejudique a imagem do partido a um ano de eleições. O que gera uma dúvida: então e em relação aos outros, porque ficam calados ou apenas comentam em surdina? Afinal, onde estão as críticas públicas e os pedidos de esclarecimento urgente de Catarina Martins e de Jerónimo de Sousa, habituais intérpretes da indignação popular para com a classe política? E, sobretudo, onde estão os políticos da oposição?

Já vimos este filme a propósito da acusação a José Sócrates, em relação à qual todos os partidos evitam opinar há mais de três anos. A inconsequência de algumas declarações ou mesmo o silêncio de (quase) todos perante os escândalos de corrupção que envolvem o PS, visível novamente no mais recente caso de Manuel Pinho, segue orientações estratégicas. Por um lado, há a que Rui Ramos identificou: os oligarcas recusam-se a olhar de frente para casos em que, fossem tiradas consequências políticas, o actual sistema abalaria – e depois, o que seria deles? Mas, por outro lado, há uma explicação conjuntural: o PS conseguiu colocar-se numa posição de supremacia política à sua esquerda e à sua direita, estabelecendo-se como o partido dos equilíbrios nacionais e que definirá o acesso ao poder em 2019. Ou seja, seja pelo controle da geringonça, seja pela necessidade de sobrevivência de Rui Rio no PSD, o PS é hoje o partido que manda nisto tudo – e, em nome desse acesso ao poder, o partido que demasiados evitam hostilizar.

Ainda muita tinta vai correr sobre o caso de Manuel Pinho. Mas, desde já, o que se sabe serviu para refrescar as lições dos últimos três anos. Sim, o silêncio ou timidez dos partidos políticos perante a corrupção que ronda o PS é uma derrota do parlamento e da democracia portuguesa. Mas é também uma vitória de António Costa. Primeiro, porque comandou internamente um eficaz corte com Sócrates, que permitiu ao PS fugir dos holofotes acusatórios. Segundo, porque o seu PS impôs-se e calou o debate político através de uma posição de força, visto ser indispensável nas equações de poder até 2023 – tirando proveito da geringonça e da fragilidade do PSD. Este é (mais) um dos lados negros desta história: independentemente dos casos de corrupção dos seus governantes, no horizonte da política nacional o PS já é o partido dono-disto-tudo.

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