Por que razão se permitiu, durante largos anos, que os grandes devedores do BES não cumprissem com as suas obrigações e pagamentos de juros, sem que, entretanto, se executassem as suas dívidas? Não foi por causa da lei – a legislação existente dá enquadramento a actuações mais agressivas de recuperação de créditos e de execução de garantias. Também não foi por falta de boas práticas internacionais que pudessem servir de farol – no Reino Unido e nos EUA, por exemplo, é perfeitamente usual que se implementem acções agressivas de recuperação de créditos, de forma a minimizar prejuízos por incumprimentos. Então, o que foi?

De acordo com Stock da Cunha, ex-presidente do Novo Banco que esta semana foi ouvido em audição parlamentar de inquérito, a explicação possível é que “somos um país de brandos costumes”. Ora, a resposta mais precisa não é exactamente essa. Somos, sim, um país tolerante com o compadrio e que convive demasiado bem com a mediocridade.

Já o escrevi antes e a sentença vale para todas as áreas. Na banca, compreendemos que não fica bem exigir que se pague o que se deve – mesmo que depois sejam os contribuintes a receber a conta. Na saúde, aceitamos com naturalidade as ineficiências do SNS, em particular as suas listas de espera, sabendo que isso tem um custo em vidas para aqueles que não podem suportar financeiramente o recurso a alternativas mais céleres. Na educação, abraçamos com fatalismo o facto de Portugal se afirmar como um dos países da OCDE onde as desigualdades sociais mais se manifestam nos percursos escolares dos alunos, encurtando os horizontes de tantos cuja falha foi nascerem pobres. No ensino superior, exigimos a manutenção das actuais regras de financiamento às instituições de ensino, em nome do status quo, mesmo sabendo que isso implica sacrificar milhares de estudantes a frequentar instituições de ensino que prestam um serviço pior. Nos contratos com o Estado, já nem nos indignamos com as empresas ligadas às redes do poder criadas de véspera, propositadamente para aceder ao financiamento público. No próprio Governo, aceitamos a falência das instituições, tal como quando o título de “melhor amigo do Primeiro-Ministro” permite acesso a informação e jogar em dois tabuleiros em simultâneo, pelo Estado e pelas empresas, num evidente conflito de interesses.

Isto já não é só um regime doente. É, sim, o retrato da inversão de valores democráticos: as oportunidades não são iguais para todos, a militância partidária compensa mais do que o mérito no trabalho, a espada da lei só cai sobre os que não gozam da protecção do regime. Por quanto tempo mais vamos tratar a mediocridade como um fado lusitano?

O vazio de representação política à direita, que eu e tantos outros sentimos, tem aqui as suas raízes, às quais o bloco de partidos à direita ainda não deu uma resposta à altura. O que está em causa é mais do que obras públicas ou meras medidas sectoriais. É uma ideia de país. Queremos uma sociedade realmente livre, que promova a ascensão social, defenda o mérito no trabalho, garanta oportunidades iguais para todos, construa instituições fortes para travar os abusos do poder, assegure a transparência contra os interesses de ocasião? Então, que seja essa a bandeira da mobilização de uma alternativa política para quem vive mal com a actual mediocridade. A hora é esta.

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