Assinalam-se dez anos sobre o referendo que legalizou o aborto em Portugal. Suspeito que pouca gente celebrará a data. Com a possível excepção dos cavalheiros do Bloco de Esquerda – que, há dez anos, comemoravam com estrondo o começo do século XXI –, não conheço ninguém que ache que o aborto é bom. Conheço quem o veja como um mal necessário ou, pelo menos, tolerável. Conheço quem defenda que a legalização ajuda a minorar os seus danos sociais. Conheço quem prefira tapar a morte com a peneira e lhe chame interrupção voluntária da gravidez (IVG), esse prodígio eufemístico do jargão politicamente correcto. Mas não conheço mesmo quem ache que o aborto é bom.
Mesmo pintado de todas as cores; mesmo disfarçado com todas as siglas, o aborto é aquilo que é: uma prática invasiva com inúmeros riscos para a saúde reprodutiva e psicológica da mãe, que se destina a eliminar uma vida no ventre. Quando os jornais elogiam uma redução no número de abortos, admitem implicitamente isto mesmo: se é bom que o aborto diminua, melhor seria que baixasse ainda mais. E o ideal era que não existisse de todo. Há dez anos atrás, os defensores da legalização também sabiam que o aborto não era bom. Foi por isso que prometeram que, uma vez legalizado, ele seria “raro, seguro e livre”. Infelizmente, nenhuma dessas promessas se cumpriu.
Entre 2008 e 2015, a Direcção-Geral de Saúde estima que se tenham feito 145 706 abortos por opção da mulher. O que significa que, por cada cem crianças que nasceram no nosso País, quase vinte foram abortadas por opção da mulher. Este número não inclui os abortos em caso de violação, malformação do feto ou risco para a saúde da mãe. No Expresso da semana passada, noticiava-se que a quantidade absoluta de abortos está a diminuir. O que o Expresso não conta é que o número de abortos por cada mil nascimentos tem crescido de forma consistente. Em 2009, segundo a DGS, havia 199 abortos por cada mil nascimentos. Em 2013, eram já 216.
O mesmo jornal argumentava também que “a maioria das mulheres não reincide” no aborto, mas esquecia-se de explicar que a taxa de reincidências tem aumentado todos os anos e que quase 30% das mulheres que abortaram em 2015 não o faziam pela primeira vez.
Ninguém acredita no aborto como solução preferencial. Por isso, de certa maneira, cada aborto pode ser lido como um fracasso da sociedade, que não conseguiu oferecer outras opções àquela mãe. Fracassamos quando permitimos que uma mulher seja levada a abortar por pressão conjugal ou laboral. Fracassamos quando compactuamos com abortos por motivos económicos, sem fazermos saber a quem aborta que existem apoios financeiros disponíveis. Fracassamos quando sonegamos às grávidas o necessário apoio psicológico. Fracassamos quando aceitamos placidamente que o maior prestador de abortos em Portugal – a infame Clínica dos Arcos – seja uma clínica privada que faz do aborto um negócio pago pelo contribuinte. É, aliás, elucidativo que a Clínica dos Arcos seja a única parceria público-privada que não tira o sono ao Bloco de Esquerda.
É importante reafirmar que, independentemente dos números, o aborto é uma má resposta, intrinsecamente violenta e destrutiva, e incapaz de salvaguardar a saúde materna. Mas os números ajudam-nos a traçar o retrato de uma sociedade onde o aborto não é um fenómeno raro, não deixa as mulheres mais seguras e nem sempre configura um exercício de liberdade. O aborto não cumpriu as suas promessas e falhou gravemente às mulheres portuguesas. Ao celebrar o seu décimo aniversário, só podemos desejar que seja o último. O pior aniversário de sempre é o aniversário dos que nunca poderão fazer anos.
Estudante de Ciência Política e Relações Internacionais, 20 anos