Só esta semana foram três planos ambiciosos. O plano ambicioso propriamente dito: as creches em quartéis. O plano ambicioso-instantâneo: os 40 mil carros que a descida dos passes já retirou de Lisboa . O plano ambicioso “logo se vê” ou mais propriamente “Governo quer ir buscar bebés e mulheres de jihadistas à Síria“. Também houve o plano salvar a pele protagonizado por António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa mas esse não é um plano novo, é o de sempre, embora agora numa deriva “nervoso miudinho” que levou António Costa a fazer esta declaração inédita na história da conjugalidade: “Nenhum dos meus ministros é casado com um banco” (Antecipa-se aqui já o próximo plano ambicioso: o direito ao casamento com um banco, por pessoas ministras ou não ministras, dos secretários de Estado  com caixas económicas e dos assessores com caixas multibanco). Mas passemos aos planos ambiciosos desta semana. Todos eles apresentados como soluções maravilhosas. Nem uma dúvida. Nem uma pergunta. Longe vão os tempos em que o “plano catástrofe anunciada” dominava os noticiários.

O plano ambicioso das creches nos quartéis. A coisa está inscrita no Plano Sectorial para a Igualdade da Defesa Nacional (2019-2021) e logo foi apresentada como um plano ambicioso: “Governo quer creches em quartéis para ter mais mulheres militares Ministério da Defesa tem plano ambicioso para atrair mais mulheres, e voluntários em geral, para as Forças Armadas, ajudando a conciliar trabalho e vida familiar.” Digamos que é muita ambição para tão pouco raciocínio. Em primeiro e óbvio lugar,  não é adquirido que a existência de creches  em quartéis leve a um aumento tão significativo do número de mulheres interessadas em entrar nas Forças Armadas que justifique a abertura de creches nos quartéis. Aliás a questão está mal colocada: porque hão-de as creches atrair mais mulheres às Forças Armadas e não mais homens? Depois quantas crianças teriam de assegurar anualmente os jovens militares (mulheres e homens)  para manter as tais creches em funcionamento regular? E já agora em quantos quartéis? Ou será que se estava a pensar fazer uma creche em cada quartel o que levará  ao paradoxo de termos creches com três ou quatro crianças? Ou quiçá nenhuma. Nem questionando se um quartel é o local mais apropriado para abrir uma creche ou até se a legislação o permite – os quartéis que têm paióis também entram neste “plano ambicioso”? – que sentido faz criar creches para as Forças Armadas e não para os bombeiros ou para os agentes das diversas forças de segurança? Ou para os trabalhadores que fazem turnos como acontece em muitos serviços de saúde? Seria interessante sabermos que informações recolheram as catorze pessoas que prepararam este “plano ambicioso” sobre as experiências doutros exércitos nesta matéria (certamente que estudaram o assunto e que tudo isto não é apenas um supor que se se abrirem creches as mulheres aparecem!) Ou se analisaram a experiência  das famílias dos trabalhadores da TAP e de alguns centros comerciais que têm acordos com creches privadas de modo a que estas pratiquem horários ajustáveis às necessidades dos respectivos trabalhadores.

Em resumo, aguardam-se notícias sobre este plano ambiciosos nos próximos meses. Sendo certo que mesmo que não abra creche alguma a ambição governamental ficou devidamente registada.

O plano dito e feito. “Passes sociais retiram 40 mil carros de Lisboa por dia.” A sério? Já retiraram? Não é uma previsão é uma certeza: “Passes sociais retiram 40 mil carros de Lisboa por dia” — garante o Expresso na sua versão papel. A versão on line é mais cautelosa e titula Novos passes podem tirar 42 mil carros de Lisboa Mas em seguida dá como certo que “Redução de preços levará mais 55 mil pessoas a andar de transportes. Espaço libertado pelos carros equivale a 230 quilómetros de fila 

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Pouca diferença existe entre estas contas e as da leiteira do conto infantil que com o dinheiro da venda do leite ia comprar galinhas que poriam ovos todos os dias que por sua vez ela venderia… Face a estas cascatas de conclusões cabe perguntar há quanto tempo deixaram de utilizar os transportes públicos os jornalistas, os técnicos camarários e os desenhadores destes cenários?  O facto de estar a aumentar a procura pelos passes não quer dizer de modo algum que entrem menos automóveis na capital pois as pessoas que estão a comprar passe não são necessariamente aquelas que usam automóvel. O problema dos transportes públicos em Lisboa não era tanto o seu custo mas sim a sua falta de qualidade que aliás se tem vindo a acentuar: carreiras cortadas, metropolitanos constantemente com avarias a mais e carruagens a menos; comboios a abarrotar; insegurança em determinadas linhas e a partir de certas horas… Transportes com mais qualidade e com horários menos espaçados, onde se pudesse facilmente levar um carrinho de bebé, de onde a crescente população envelhecida subisse e descesse com facilidade, poderiam levar alguns a trocar o automóvel pelos transportes públicos. Um passe mais barato não é a solução para quem já paga muito mais  para vir de automóvel.

Note-se que as questões suscitadas pelo “plano dito e feito” não se esgotam nesta identificação entre o anunciado e o dado como realizado. O esquema pirâmide optimista subjacente a estas notícias que se baseiam nas declarações do vereador da Mobilidade e Segurança na Câmara Municipal de Lisboa, Miguel Gaspar, leva-nos a perguntar: onde pára o plano catástrofe anunciada? O tal que, por exemplo, acompanhou o anúncio do túnel do Marquês? Recordo que levámos meses a ouvir e a ler notícias em que especialistas vários garantiam que a abertura do túnel do Marquês ia seguramente causar o caos na capital além de várias tragédias aos que arriscassem atravessá-lo. Nada disso aconteceu, o túnel melhorou a segurança rodoviária em Lisboa, funciona na perfeição e a única catástrofe que lhe está associada são os muitos milhões de euros que os contribuintes portugueses tiveram de pagar  a título de indemnização ao consórcio construtor, pela interrupção da obra. A ausência do plano catástrofe anunciada e o entusiasmo acrítico em torno do  plano ambicioso é o que distingue uma governação socialista em Portugal.

Ainda a propósito do plano catástrofe anunciada, soube-se agora que nos estaleiros de Viana do Castelo estão a trabalhar 1.300 trabalhadores. A mão-de-obra da cidade já é insuficiente para as necessidades dos estaleiros. Recordo que em Dezembro de 2013, o plano catástrofe anunciada que então vigorava nas notícias relatava “Multidão contra a morte dos Estaleiros de Viana” (tal como agora é certo e sabido que a descida do preço dos passes vai diminuir 230 quilómetros de fila de automóveis em Lisboa era à época dado como absolutamente certo que os estaleiros uma vez privatizados iam morrer). Mário Soares, a deputada do PCP, Carla Cruz, Gabriela Canavilhas, Marisa Matias e Ana Gomes gritavam em Viana “A construção naval não pode morrer“. Ana Gomes como de costume acrescentava “Isto é gestão danosa, é contra o interesse nacional e europeu, e nós, os portugueses, não vamos ficar calados e quietos.” O que têm dizer agora aqueles que viram na privatização dos estaleiros a sua morte?

O fatalismo com que se tem aceite esta disparidade entre o “plano catástrofe anunciada” para tudo o que belisque a visão socialista do mundo e a versão “plano ambicioso” para tudo o que a confirme é um dos maiores e mais nocivos mistérios do nosso tempo.

O plano “logo se vê”. “Governo quer ir buscar bebés e mulheres de jiadistas à Síria”  E assim temos o Governo português transformado numa espécie de cegonha trazendo bebés não de Paris mas sim da Síria. Na asa do governo-cegonha viriam também mulheres dos jihadistas. Simples e fofo, não é?

Comecemos pelas mulheres para efeitos de desresponsabilização apresentadas como “mulheres dos jihadistas”. Não deixa de ser extraordinário que invocando-se todos os dias a igualdade entre homens e mulheres, vasculhando-se com zelo e afinco todo e qualquer vestígio de discriminação, se acabe a tratar estas mulheres como umas pobres criaturas que, ao contrário dos homens, não sabiam o que faziam. Ora estas mulheres não são irresponsáveis. Escolheram partir. Conviveram com a morte e a tortura. Souberam das violações a tantas mulheres e meninas. Agora que a sua vida está em risco querem elas ou as suas famílias o repatriamento.  Contudo elas tiveram responsabilidades naquilo em que a sua vida se tornou e não é claro que não continuem a representar um risco para a nossa segurança. Logo tem de se equacionar muito bem o enquadramento legal destas mulheres uma vez repatriadas ou podemos acabar a assistir impotentes ao avolumar de vários problemas. (Um pouco à semelhança do que aconteceu no início do século XXI quando os navios mercantes se tornaram pasto dos piratas nas águas da Somália e descobrimos estupefactos que os ditos piratas nem sequer podiam ser detidos pelos navios-patrulha que mandávamos para aquelas regiões porque as nossa magníficas leis não previam que a pirataria existisse.)

Por fim, os bebés que não são apenas uns bebés mas sim um total de vinte menores. Ainda mais que as mulheres eles poderão representar um alvo para os difusores do radicalismo. Não quero com isto dizer que estas mulheres e crianças não possam ou não devam ser repatriadas – tanto mais que caso tal não aconteça podem arriscar a morte – mas quero dizer que uma vez repatriadas não podemos fazer de conta que estamos perante uma espécie de famílias hippies que foram a um festival de Verão que correu mal.