Quem percebeu bem a cabeça de António Costa foi Edgar Allen Poe. Em 1842, escreveu um pequeno conto com o título “A Máscara da Morte Vermelha” que narrava a história de um nobre que tomou uma medida radical para se proteger de uma praga que estava a dizimar a população: o Príncipe Próspero juntou mil cortesãos amigos no seu castelo fortificado, armazenou mantimentos para vários meses e mandou encerrar todas as entradas, fechando-se numa “profunda reclusão”. No exterior, havia morte, sofrimento e pobreza; no interior, havia festa, segurança e abundância. Claro que, no conto de Allen Poe, o nobre não acabou bem — mas isso não é o mais importante. Durante muito tempo, o Príncipe Próspero, que era “feliz, destemido e sagaz”, sentiu-se protegido no seu castelo.

O castelo de António Costa é bem mais pequeno — só precisa de espaço para ele e para os outros 59 membros do seu governo de maioria absoluta. É nesse castelo metafórico que o primeiro-ministro se refugia sempre que surge um caso, um casinho ou uma polémica, recusando-se a prestar contas, ou pelo menos a dar explicações, seja a quem for.

Depois de o Observador revelar há uma semana que António Costa fez um desvio numa deslocação oficial para ir a Budapeste assistir a um jogo de futebol ao lado de Viktor Orbán, o primeiro-ministro fechou-se na sua “profunda reclusão” e manteve um longo e pesado silêncio. Tão pesado e tão longo que o Presidente da República, que como se sabe tem horror à mudez, sentiu-se obrigado a falar por duas vezes aos jornalistas para justificar aquilo que não lhe dizia respeito e que, claramente, não conhecia.

António Costa só falou ao fim de três dias. Ou melhor: não falou, escreveu, que é mais uma forma de defesa do que de explicação. Para evitar ser confrontado com as contradições que já tinham tomado conta da história, o primeiro-ministro emitiu uma “nota à comunicação social” onde se colocava como sujeito passivo dos acontecimentos: foi a Budapeste porque a cidade ficava a caminho do seu destino final; entrou no estádio porque recebeu um convite da UEFA; e sentou-se ao lado de Orbán porque era essa a indicação do protocolo da UEFA.

Na quinta-feira, confrontado com mais de dez perguntas ou referências à viagem a Budapeste durante um debate no Parlamento, António Costa ignorou todas. O primeiro-ministro não faz o mais pequeno esforço para reconhecer que existe uma realidade exterior ao seu próprio umbigo e aos seus interesses.

No castelo de António Costa não entram deputados com perguntas incómodas; não entram jornalistas com pedidos de esclarecimento sobre um evento que ficou de fora da agenda oficial do primeiro-ministro por razões misteriosas; não entram dúvidas; não entram polémicas; nem entram problemas. E, claro, no castelo fortificado de António Costa também não entram os eleitores, que devem permanecer bem longe do perímetro de segurança do primeiro-ministro. Os portugueses só devem sair do seu canto para recolherem as benesses que o Príncipe Próspero entende dar-lhes e para, a cada ato eleitoral, depositarem na urna a cruz que simboliza o seu eterno agradecimento ao Partido Socialista.

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