Estas últimas semanas foram reveladoras da facilidade com que, por cá, se coloca em questão o princípio básico de que numa democracia pluralista o governo tem limites ao seu poder, mas os protestos também têm limites, independentemente da bondade das causas. Vimos igualmente um grupo de jovens colocarem-se acima da lei e fora da realidade do país onde vivem.
O protesto errado
Os militantes que atiraram tinta verde para impedir o Ministro do Ambiente de falar, e que cortaram o trânsito na Segunda Circular, não são resistentes heroicos. São mesmo os maiores inimigos de que as preocupações ambientais sejam levadas a sério. Comecemos pelo princípio: todos os protestos ilegais, sejam em nome de que causa forem, devem ser condenados, numa democracia. Por exemplo, a tentativa ilegal de impedir o lançamento de um livro em nome da defesa da família e das crianças. Quem tem críticas ou queixas, seja em nome das criancinhas ou do ambiente, que as faça, nos limites da lei. O protesto é um direito numa democracia pluralista, mas não para além da lei, ameaçando os direitos e liberdades dos outros. E neste debate faz toda a diferença estarmos a falar de um regime de liberdades. Os jacobinos na França de 1789 podiam evocar a violenta repressão da Monarquia Absolutista. Os estudantes oposicionistas em Portugal, em 1969, tinham legitimidade para corajosamente interromper o Almirante Tomás para tentar usar da palavra, porque não tinham liberdade de expressão. Hoje em dia, em Portugal, nada impede estes grupos de agirem dentro da lei para conquistar apoios, votos, chegarem ao governo. Mas é evidente que, nomeadamente, os militantes do coletivo anticapitalista Climáxico não estão interessados em conquistar apoios ou em chegar a compromissos entre os seus objetivos e os de outros setores, como é normal numa democracia. Nisso, diga-se, não andam muito longe de alguns sindicatos cuja ideia de negociação é a rendição total do país às suas exigências, custe o que custar.
Tudo isto devia ser evidente, até para certxs colunistxs do Público (que não são, evidentemente, o tema deste artigo). Convinha, sobretudo, que os ambientalistas democratas se recordassem de que as ditaduras não fazem só mal à liberdade, também praticam impunemente todo o tipo de crimes ambientais que depois censuram. Da União Soviética à China comunista não faltam abundantes exemplos.
O grande problema destes ativistas não é que tenham criado mau ambiente. O grande problema é que são radicais que não aceitam limites à defesa da sua causa, para além daqueles que eles próprios estabelecem. Eles e os seus apoiantes na imprensa deixaram bem claro que tendo em conta que o “planeta está a arder” – não está, embora esteja a ficar mais quente e mais propenso a eventos climáticos extremos – estas ações ilegais até são muito moderadas. O que leva logicamente à questão: até onde é que irão, no futuro, estes protestantes ilegais, se não atingirem os seus objetivos e se a crise ambiental se agravar? Não estou a afirmar que teremos terrorismo ambiental em Portugal. Mas quem, como eu, estuda o terrorismo, sabe que ele é a arma de escolha de pequenas minorias radicalizadas. Ninguém pode ou deve ser condenado porque pode vir a ser terrorista. Mas a lei deve ser igual para todos, até para jovens com causas simpáticas. Sem limites legais não há democracia.
No país errado
Este é o segundo grande problema com estes jovens e os seus groupies nas colunas de opinião: aparentemente não sabem que estão em Portugal! Pensam que vivemos no Norte global, rico e historicamente industrializado, que principalmente contribuiu para o aquecimento global! Olhemos para os dados que tanto evocam. Olhemos para estes dois gráficos do Our World in Data de Oxford. Fica claro que Portugal esteve sempre muito abaixo da média europeia na emissão de CO2 e só no início do século XXI brevemente atingiu níveis significativos, que logo começaram a cair. São as “vantagens” da pobreza e da industrialização limitada e tardia. Estes ativistas talvez tivessem argumentos válidos na Suécia ou na Alemanha, em Portugal fazem uma figura ridícula. O seu protesto ilegal num país onde quase 2 milhões de pessoas ainda vivem em pobreza energética é pior do que um crime. É mesmo um disparate de quem parece desconhecer o país real onde a maioria dos portugueses vive, ou de quem considera que a pobreza é aceitável, porque é boa para o ambiente. A “ecológica” Suécia continua a ter um consumo de energia que é mais do dobro de Portugal! Hoje em dia, cada chinês já consome mais energia (per capita) do que cada português. E quanto à exigência de 100% de renováveis em Portugal até 2025 e a preço acessível? Ela não é fazível em nenhum país da Europa. A Suécia aponta para 2045 e ainda assim passou de 100% renováveis, para 100% livre de combustíveis fósseis, ou seja, com energia nuclear.
Eu não contesto os dados que mostram que há aquecimento global, e até considero credível a sua explicação principalmente em função de atividades humanas. Mas tendo em conta o nosso nível de riqueza e o nosso reduzido contributo para a crise ambiental atual, Portugal até tem investido muito em energias renováveis. Na União Europeia, Portugal com 32% de renováveis, só é ultrapassado pela Suécia (51%), Dinamarca, Áustria e Finlândia (34%), países que têm um PIB per capita muito superior ao nosso. Como historiador também sei que, apesar de alguns efeitos negativos do processo de industrialização, por exemplo a poluição atmosférica que devemos atenuar, nunca tanta gente viveu tantos anos, com tanta saúde e prosperidade. Como cidadão até estou disposto a aceitar alguns sacrifícios sensatos e temporários por uma economia mais sustentável, mas nunca aceitarei sacrificar a democracia pluralista a uma defesa intolerante e irrealista do ambiente.