Era sabido que os mandatos de Ursula von der Leyen e de Charles Michel terminavam em 2024. Falava-se, entre os corredores e na comunicação social, que António Costa era apontado para a presidência do Conselho Europeu. Também não foi difícil depreender que o então primeiro-ministro português não contava com a maioria absoluta conseguida em 2022. Não é segredo para ninguém que o país, nessa altura, ficou surpreendido com a falta de novidade, renovação e abertura revelada na escolha dos ministros. Pela falta de um plano de governo para quatro anos, ainda por cima depois da pandemia.

A vitória absoluta do PS em Janeiro de 2022 foi uma derrota para António Costa, o principal responsável pelo bom resultado dos socialistas. Dificilmente terá havido vitória mais amarga na democracia portuguesa. Tanto o foi que, logo na tomada de posse do governo, Marcelo Rebelo de Sousa avisou: a vitória foi de Costa e a sua saída determinaria o fim do governo. Apesar da maioria absoluta, o PS sabia que estava a prazo. Não valia a pena ter um plano, de nada valia ter uma estratégia. Bastava deixar o tempo passar. Foi esse o sinal que Costa deu com a escolha dos ministros que lhe corresponderam com brio.

Todos, à excepção de um. Logo que pressentiu que trabalhava para o futuro político de António Costa, Pedro Nuno Santos achou por bem decidir onde seria o novo aeroporto. Nisso até estava à vontade porque sabia que a sua resolução não seria aplicada. O seu objectivo também não era esse, mas simplesmente mostrar-se diferente de Costa e do PS. Perante a instrução tácita do nada fazer, Pedro Nuno fez que fazia porque sabia que nada seria feito. Daí a decisão estapafúrdia de Lisboa ficar com três aeroportos. Como nada seguiria por diante, não interessava o teor da decisão. Foi mero fogo-de-vista que, para que fosse visto, teve de ser de artifício.

Entretanto, António Costa procurava uma forma de sair do imbróglio em que se metera com a inesperada maioria absoluta de 2022, para estar livre em 2024. Precisava de um pretexto e estes avolumaram-se durante o ano de 2023: a TAP, a pancadaria no ministério das infraestruturas, a crise no SNS, a falta de professores nas escolas, as greves dos funcionários judiciais, das forças de segurança, problemas para os quais António Costa não arranjou qualquer solução e que Luís Montenegro quer resolver em tempo recorde. O país ficou de pantanas até que António Costa pegou num parágrafo da Procuradoria-Geral da República do qual constava o seu nome e, amuado, ofendido, indignado e injuriado, demitiu-se.

Foi no dia 7 de Novembro de 2023. Sete meses depois, António Costa é apontado como favorito para o lugar de Presidente do Conselho Europeu. Naturalmente, o que sucedeu de há um ano para cá foi uma enorme sucessão de coincidências. Se definirmos a arte como uma habilidade para fazer ou executar algo, a política é uma forma artística de fazer uso das coincidências com vista a um objectivo. Como péssimo governante que se revelou, António Costa não soube aproveitá-las em benefício do país. Já enquanto expoente máximo da arte política somos forçados a concluir que os astros estão alinhados. Há quem tenha muita sorte.

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