Este governo percebeu muitas coisas. Percebeu, por exemplo, que não existia vida sem a troika – o que é muito, já que quase toda a oligarquia preferiu fazer de conta que tudo poderia ser fácil. Mas o governo já terá percebido menos que o país estava disponível para mudar de vida, como sugerem as exportações das empresas ou a poupança das famílias. Preferiu, por isso, expedientes revogáveis — cortar salários, aumentar impostos – à alteração irreversível de estruturas e de procedimentos. Das lendárias “reformas”, nunca vimos o filme, apenas o guião.

Mas houve uma grande coisa que estas equipas ministeriais nunca perceberam, como ficou demonstrado no baile de demissões de Julho do ano passado: é que a sua missão principal não era tanto executar tecnicamente o ajustamento, mas assegurar que havia em Portugal uma maioria estável de governo, depois das divisões e crispações do “socratismo” e enquanto a maior crise do democracia portuguesa coincidiu com a maior crise da integração europeia. Não estou a dizer que cumprir o memorando não era fundamental. Estou a dizer que essa era uma função dependente da estabilidade governativa.

Sem uma maioria parlamentar disciplinada, o memorando nunca teria sido executado, por mais partilhada que fosse a vontade para permanecer no euro e regressar aos mercados. Veja-se o caso da Grécia. Na Grécia, era claro o que estava em causa. Mas no meio de divisões, intrigas e golpes, não se pôde fazer nada senão saltar de eleição em eleição e de resgate em resgate. Foi essa a diferença principal de Portugal em relação à Grécia.

Agora, o fim da recessão e a baixa dos juros parecem ter dado ao governo novas ambições eleitorais. Mas pensará que vai manter-se depois de 2015 só porque pôde voltar a endividar-se no mercado ou repor uma parte dos confiscos? Tudo isso é importante. Mas o primeiro sucesso talvez não comova muita gente, e o segundo nunca chegará a tempo de apaziguar quem estiver zangado. A actual maioria quer continuar? Se quer, tem de identificar-se, não com o ajustamento, mas com outra coisa: estabilidade governativa. E por esse lado, os requisitos são estritos: não apenas um entendimento partidário, mas um projecto nacional claro, que dê sentido a uma coligação eleitoral firme em 2015, e a um candidato presidencial credível em 2016. Sem isso, escusam de se cansar.

Não é possível, porém, esquecer o mês de Julho de 2013, e o que poderia ter acontecido sem o Presidente da República. Os ministros deram nesse momento toda a razão às oposições, que no fundo sempre apostaram numa única coisa: criar um ambiente de tensão e ruptura que induzisse a coligação a entrar em pânico e a desfazer-se. Os acontecimentos de Julho deixaram uma enorme dúvida, sempre alimentada pelo comércio de recados do jornalismo: pode o país confiar nesta maioria para assegurar estabilidade política, ou não?

As próximas eleições legislativas não vão simplesmente ser decididas pelas taxas de juro ou pelos resultados do PIB, mas pela resposta a essa dúvida. Se a actual maioria não conseguir dar garantias de rumo e de coesão, é provável que nem a descoberta de petróleo nas Berlengas a possa ajudar. Sem querer ofender ninguém: é a política, estúpidos.

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