O salário mínimo tem sido utilizado como um instrumento importante de combate às desigualdades de rendimento e à pobreza. Vários estudos sugerem a eficácia dessa estratégia. Em 2015, a Alemanha introduziu o salário mínimo. Em 2016, o Reino Unido anunciou um aumento de 40% nos cinco anos seguintes. Estas políticas foram aplicadas noutros países europeus, nos Estados Unidos, na China.
Em Portugal, entre Outubro de 2014 e 2019, o salário mínimo passou de 485 para 600 euros — um aumento de cerca de 20%. Entretanto, o actual Governo aumentou-o para 635 euros em 2020; até 2023, prometeu aumentá-lo para 750 euros. Cumprindo-se o anúncio, entre 2014 e 2023, o salário mínimo, em termos nominais, terá aumentado 55%.
Em 2014, a justificação para o aumento do salário mínimo foi a recuperação dos salários de 350 mil trabalhadores — congelados há quatro anos. Os aumentos subsequentes tiveram também como objectivo a redução das desigualdades de rendimento e o combate à pobreza. A este propósito, é importante lembrar que cerca de 10% dos trabalhadores portugueses vivem em situação de pobreza.
Na verdade, não existe nenhum estudo sobre o impacto dos aumentos registados desde 2014 no salário mínimo. O facto de esta medida ter vindo a ser implementada num contexto de recuperação económica, com forte descida da taxa de desemprego (de 16,2% em 2013 para 7% em 2018) e um aumento de 10% do emprego, fez com que o debate em torno dos seus possíveis efeitos negativos se dissipasse. O Governo tem mesmo associado os dois acontecimentos, deixando subentender que o aumento do salário mínimo favoreceu o crescimento do emprego. De facto, esta relação não está excluída dos modelos económicos. Porém, é necessário investigar os impactos do salário mínimo na economia nas suas diversas dimensões. Sobretudo porque foram anunciados mais aumentos para os próximos anos.
Nas políticas de redistribuição de rendimento tradicionais, assentes na progressividade dos impostos, os rendimentos mais elevados são mais tributados e as transferências favorecem os rendimentos mais baixos. As políticas de redistribuição do rendimento assentes no salário mínimo são suportadas pelas empresas. Neste caso, o custo do combate às desigualdades sociais e à pobreza distribui-se de forma muito desigual pelas empresas.
Em primeiro lugar, porque há diferenças significativas, a nível sectorial, na percentagem de trabalhadores que recebem o salário mínimo. Os sectores e as empresas com maior percentagem de trabalhadores a receber o salário mínimo vão arcar com um maior custo desta política. Por exemplo, de acordo com um relatório do Governo, em abril 2017, 42,4% dos trabalhadores do sector ‘Alojamento e restauração’ recebiam o salário mínimo, enquanto no sector ‘Eletricidade, gás, etc’ eram apenas 1,3% dos trabalhadores.
Em segundo lugar, a capacidade de as empresas transferirem o aumento dos custos salariais para os consumidores, através de um aumento dos preços, vai depender das condições de concorrência do mercado onde actuam. Por exemplo, uma empresa exportadora, que esteja exposta a forte concorrência de empresas de outros países, dificilmente vai poder aumentar os seus preços. Nesse caso, o aumento dos custos salariais vai reflectir-se numa deterioração da sua margem de lucro.
No contexto da economia portuguesa, é importante ter ainda em conta um outro efeito. As empresas portuguesas continuam a ser das mais endividadas do mundo. Em 2012, o peso da sua dívida no PIB ultrapassava os 150%. Uma elevada percentagem de empresas muito endividadas apresentava baixa rendibilidade, não gerando, em muitos casos, resultados suficientes para pagar os juros à banca. Estas empresas, chamadas ‘zombies’, caracterizam-se por uma baixa produtividade. Dada a sua debilidade financeira e económica, e tendo em conta que chegaram a representar mais de 6% das empresas e cerca de 10% do emprego, é importante avaliar a forma como se adaptaram aos sucessivos aumentos do salário mínimo.
Foram precisamente aqueles impactos do salário mínimo nas empresas que uma equipa de investigadores da Universidade do Minho (Fernando Alexandre, João Cerejeira, Hélder Costa e Miguel Portela) e da Universidade de Coimbra (Pedro Bação) avaliaram recentemente num estudo. Os resultados encontrados nessa investigação, embora ainda preliminares, mostram que o aumento do salário mínimo teve um efeito negativo no crescimento do emprego e na rendibilidade das empresas mais afectadas por aquela política. Por outro lado, os sucessivos aumentos do salário mínimo aceleraram a morte das empresas que sofreram mais com aquele aumento nos seus custos totais. Finalmente, os autores concluem que no grupo de empresas classificadas como ‘zombies’, com baixa produtividade, aqueles efeitos foram mais intensos.
Uma das principais conclusões deste estudo é que os aumentos do salário mínimo nos últimos anos podem ter acelerado a saída do mercado de um grupo de empresas de baixa produtividade. Embora este objectivo não tenha sido enunciado pelos decisores de política, este epifenómeno pode ter beneficiado a economia ao contribuir para uma afectação mais eficiente dos recursos.
É necessário prosseguir no estudo desta política e de outras políticas porque só assim teremos melhores políticas, uma economia mais forte e uma sociedade menos desigual.
Post scriptum: Pode ter acesso ao estudo referido neste artigo enviando um email para falex@eeg.uminho.pt.