O aviso foi feito pelo Presidente da República, sob a forma de pedido ao primeiro-ministro para nos avisar, especialmente para explicar porque não pode ir mais longe nos apoios às famílias e às empresas. Na verdade, e pela primeira vez, o ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais António Mendonça Mendes, disseram-no, o segundo de forma mais directa do que o primeiro, quando apresentaram as medidas de apoio às empresas. E agora, esta segunda-feira, foi a vez do ministro do Ambiente Duarte Cordeiro acabar com a ilusão de que estávamos imunes ao que se passa no mercado do gás.

“Estamos provavelmente a abandonar era de globalização e integração das economias e inflação baixa, para entrar numa era nova com tensões geopolíticas e fragmentação de cadeias de comercio e abastecimento e inflação elevada”, disse o ministro da Economia. “Vão ser tempos difíceis”, afirmou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Falta obviamente o primeiro-ministro alertar-nos para as dificuldades que vamos sentir nesta transição para uma nova ordem política e económica. Um novo mundo que significará “o fim da era da abundância”, como já alertou em finais de Agosto o presidente francês Emmanuel Macron.

Um mundo menos globalizado, com a Europa sem as fontes energéticas da Rússia, terá não só uma transição de curto prazo dolorosa, como significará a médio e longo prazo preços mais elevados. Vamos perder poder de compra, vamos ficar mais pobres, e os governos pouco mais podem fazer do que moderar os efeitos imediatos desta transição para o empobrecimento.

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E as más notícias não param de chegar. Aquele que era o, até agora, à vontade do Governo em matéria de energia – não ia faltar, diziam, disfarçando entre dentes que o impacto seria no preço, mas o Governo ali estaria para garantir o milagre do mercado regulado –, agora começa também a assumir novos contornos.

O ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, reconheceu ontem pela primeira vez que existem riscos de redução de fornecimento de gás a Portugal, designadamente através da Nigéria. E, nessa situação, os preços subirão ainda mais. Declarações feitas pelo ministro depois de o presidente executivo da Galp, Andy Brown, ter revelado que a empresa teve problemas com o fornecimento de gás da Nigéria, no primeiro semestre deste ano, que se traduzem em perdas de 135 milhões de euros. E, colocando-se contra a intenção do Governo de facilitar a passagem dos consumidores para o mercado regulado – que começa a ser claro que protege pouco os consumidores –, alertou que também ali os preços podem subir.

Tudo isto também revela que as propostas da Comissão Europeia procuram mais impedir que o descontentamento popular dificulte o apoio à Ucrânia, do que propriamente combater o inevitável empobrecimento europeu, mesmo que transitório. O imposto extraordinário mascarado de limites aos lucros ou às receitas, para contornar a necessidade de unanimidade, embora seja popular, é de difícil execução dada a variedade de modelos que existem na Europa. Para não falar do caso português, o Financial Times referia, por exemplo, que países como o Luxemburgo, a Lituânia e a Letónia, como importam electricidade, não têm o que tributar. Apesar de todas as críticas, o modelo ibérico acaba por ser o melhor, indo buscar os lucros elevados onde eles estão, nas renováveis, através de um limite ao preço do gás para a produção de electricidade. E mesmo assim não impede a subida do preço – apenas consegue que suba menos do que subiria.

Esperemos que estes exemplos constituam o princípio do fim das ilusões que o Governo nos quis vender até agora, como se fossemos uma ilha ou até um planeta à parte, imunes ao impacto global e tectónico que a invasão da Ucrânia pela Rússia está a ter no mundo.

Os efeitos económicos começam a notar-se, designadamente nos indicadores de confiança. Os últimos dados publicados pelo INE revelam já quebras nos indicadores de confiança na indústria, na construção e no comércio, excetuando-se neste panorama os serviços. E o indicador de clima económico também diminuiu. O significativo aumento da fatura da energia associado, nalgumas empresas, ao agravamento do preço das matérias primas, algumas sem nada terem a ver com a guerra, mas apenas e já um reflexo de um mundo menos global, conjugam-se para pressionar a vida das empresas. Além disso, a subida das taxas de juro tenderá a criar ainda mais problemas nas que estão sobre-endividadas.

O futuro de crise que se adivinha é ainda reforçado pelas perspetivas que se desenham para a maior economia da área do euro, a Alemanha. “Os economistas acreditam que aumentou consideravelmente a probabilidade de o PIB diminuir no quarto trimestre deste ano e no primeiro de 2023”, lê-se nas perspectivas do Bundesbank divulgadas em Agosto.

O que vamos enfrentar tem sintomas de enorme gravidade, por via da efetiva redução do poder de compra de todos os europeus em geral e dos portugueses em particular e que ninguém sabe quanto tempo vai durar. E não vale a pena os governos criarem a ilusão de que nos podem poupar a este empobrecimento, que vem da energia mais cara, mas igualmente da desglobalização. O melhor que pode fazer o governo português, como todos os outros, é tentar que as desigualdades não se agravem, concentrando os recursos nas famílias com mais baixos rendimentos. No caso das empresas, as atenções têm de se concentrar nas que são mais intensivas em energia, ao mesmo tempo que se incentiva que façam a transição energética.

Mais do que avisar os portugueses, para se proteger da impopularidade e das críticas da oposição aos pacotes que tem apresentado, como parece ter sido a preocupação do Presidente da República, o Governo tem de nos alertar para as dificuldades que se avizinham para que cada um consiga proteger-se o melhor que pode e para que as empresas antecipem as tendências. E, realmente, os pacotes não podem nem devem ser demasiado generosos até se perceber a dimensão da tempestade que está a chegar. Ou corremos o risco de acrescentar crise à crise.