Temos de nos preparar para tempos difíceis, depois de tempos difíceis que temos vivido. De uma semana para a outra, o mundo como o conhecíamos mudou e adaptarmo-nos a esta nova geografia política vai doer e levar tempo. Claro que nos vai doer menos do que aos ucranianos, vítimas da invasão russa. Mas neste momento nem sabemos exactamente quanto vai doer, até onde vai a guerra que a Rússia fez estalar na Europa.

Todas as tendências económicas que tínhamos trazido da pandemia vão reforçar-se, iremos ter de novo alguns problemas que julgávamos estarem a desaparecer e enfrentaremos também novas perspectivas, tudo muito pouco animador.

Em vez de vivermos a inflação com a retoma, vamos assistir à subida dos preços enquanto a economia abranda. Poderemos mesmo experimentar uma fase de estagflação, em que a inflação convive com estagnação ou mesmo recessão, cenário que o governador do Banco de Portugal Mário Centeno colocou como hipótese na entrevista à Bloomberg aqui citada pelo Eco. Mário Centeno mostra-se confiante que o crescimento da economia europeia vai prevalecer, o que corresponde às previsões consensuais neste momento em que se aponta para uma quebra marginal do crescimento este ano, com efeitos mais significativos em 2023.

As sanções à Rússia anunciadas pela União Europeia e os Estados Unidos durante o fim-de-semana, a que se juntaram o Canadá, o Japão e até, nalguns casos, a Suíça, começaram a ter os seus primeiros efeitos, que não ficarão por aqui. O isolamento de alguns bancos russos, que foram desligados do sistema de mensagens Swift, e especialmente o congelamento das reservas em dólares e euros do banco central da Rússia são medidas já bastante fortes que em nada se comparam com as dos primeiros dias do conflito. O rublo desvalorizou face à incapacidade de a Rússia defender a moeda, mesmo com a subida da taxa de juro de 9,5% para 20%. Isto significa que as importações russas vão ficar mais caras e as exportações mais baratas.

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A economia russa não é moderna, mas é para o mundo, e especialmente para a Europa, um importante fornecedor de petróleo e gás, de um conjunto de matérias minerais fundamentais para indústrias que vão da aeroespacial à automóvel, passando pelos fertilizantes e a tecnologia, e ainda, conjuntamente com a Ucrânia, um importante fornecedor de cereais. O pagamento destes fornecimentos estará, no mínimo, dificultado pelo facto de parte da banca estar desligada do Swift – as empresas russas terão de esperar mais tempo para receber o dinheiro. Apenas o fornecimento de gás e petróleo está fora destas restrições.

Pior ainda será para quem exporta para a Rússia. Uma empresa portuguesa que venda para o mercado russo enfrentará maiores dificuldades em receber o seu dinheiro, quer pelo tempo adicional que será preciso para fazer a transferência sem o Swift como, mais grave ainda, pela falta de divisas. E quem diz empresa portuguesa, diz empresas de todos os países ocidentais. Isto significa que podemos assistir a dificuldades nas empresas de média e pequena dimensão que têm negócios com a Rússia.

Escassez de matérias-primas – como já aconteceu no auge da pandemia -, atrasos nos pagamentos e custos de energia mais elevados constituem três factores de stress para as empresas que, se ainda estiverem fragilizadas por causa da pandemia, podem não resistir.

A par destes canais de contágio é de esperar que consumidores e investidores se tornem mais prudentes, os primeiros gastando menos e os segundos adiando projectos de investimentos. Juntemos ainda a este retrato o facto de se perspectivar o aumento das despesas com defesa – só a Alemanha anunciou mais 100 mil milhões de euros de aumento no orçamento da defesa –, o que significa, obviamente que haverá menos investimento noutras áreas.

Não é de colocar de parte o cenário de alguma turbulência financeira já que, e como o demonstrou a crise financeira iniciada em 2007, é extraordinariamente difícil antecipar os canais de contágio que podem ser trazidos do quase isolamento financeiro da Rússia.

Trabalhando com o cenário menos mau, todos temos de nos preparar para perder poder de compra por causa da subida da inflação e ainda para eventualidade de voltarmos a viver em recessão, dois anos depois da que sofremos por causa da pandemia. E este é um cenário optimista. Preparemo-nos para o pior.