Fernando Rosas deu uma entrevista ao Público. Depois da já costumeira defesa da Rússia através de falsa equivalência entre Putin e NATO e de suspiros pela derrota da Ucrânia disfarçados de apelos à paz, a dada altura dá-se esta curiosa sequência de respostas:

Público – Deve ser uma coisa difícil defender os trabalhadores e quem é despedido, quando o próprio Bloco vai ser obrigado a despedir pessoas.

Fernando Rosas – Sim, mas repare, o Bloco não é uma empresa, é um partido político. E as pessoas que militam profissionalmente no Bloco têm consciência que nós não temos acções na bolsa. Quer dizer, os partidos vivem das quotas dos militantes e dos financiamento público da AR, que é proporcional ao número de votos que tem. Quando há uma queda, como houve agora, isso significa cortes muito significativos no financiamento e portanto, é claro, o Bloco vai ter de dispensar a colaboração de muitos camaradas que sabem que é assim. É a diferença entre estar num partido ou estar a trabalhar numa empresa. Os partidos têm essa vida. As quotas chegam para financiar uma boa parte da actividade, mas para manter um corpo de funcionários, sedes abertas em todo o país, ou se tem financiamento, ou não se tem. Quando não se tem, fecha-se. Não há outra solução. É a vida política.

Público – Mas isso depois não é difícil para o Bloco quando critica os outros despedimentos, nas outras empresas?

Fernando Rosas – O bloco não é uma empresa, é um partido.

Público – Eu sei. Sem dúvida. Mas as empresas também podem dizer que estão em crise e que não têm

Fernando Rosas – Pois. E também despedem, não é? Agora, o Bloco não é uma empresa, não vende bens não tem ações na bolsa, é um movimento a que os militantes aderem, onde participam, conhecendo bem quais são as condições de trabalho que há. Quando há sucesso político, há financiamento, pode-se alargar. Quando não há, tem de se restringir. Já tivemos uma situação, aliás, idêntica, quando ficamos reduzidos a 6 deputados. E também tivemos de fazer a mesma coisa. É natural e as pessoas sabem. Aliás, quando os militantes do bloco são convidados para tarefas de carácter profissional, sabem e isso é claramente discutido com eles. Toda a gente sabe como é que isto funciona. É natural. Não se trata de despedir pessoas para aumentar o lucro, trata-se de prescindir de colaboração de camaradas quando, por virtude dos sucessos ou insucesso da luta política, é preciso recuar e é preciso adaptarmo-nos às dificuldades. Não vejo que nisso haja qualquer contradição de princípio.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Fernando Rosas faz muito bem em sublinhar que o Bloco não é uma empresa. É uma distinção importante. Se o Bloco fosse uma empresa, a culpa pela má performance era da Administração, que teria sido incompetente. Mas, lá está, não sendo uma empresa, é impossível os líderes do Bloco terem sido incompetentes. A responsabilidade pelo fracasso eleitoral que conduziu à falta de dinheiro não é da liderança do BE. Como é óbvio, é do povo. Se agora há mais desempregados, a culpa é de quem se recusou a votar no Bloco, obrigando o partido a despedir gente. Espero que, para a próxima, o partido castigue o povo, dispensando a sua colaboração.

Apesar de tudo, não me parece que seja uma situação dramática. Trabalhadores despedidos pelo Bloco, aliás, pessoas que militam profissionalmente no Bloco e cuja colaboração foi prescindida, arranjam emprego facilmente. Não ficam prescindidas durante muito tempo. Acabam por ser recrutadas por empresas que procuram falantes deste jargão utilizado por Fernando Rosas. É uma mais-valia em companhias que precisam de despedir trabalhadores e não querem ficar mal vistas no Twitter. Dá muito jeito ter alguém nos Recursos Humanos que saiba justificar medidas impopulares através de eufemismos como – e cinjo-me só a esta entrevista – “ter de dispensar a colaboração de muitos camaradas” (ter de despedir); “um movimento a que os militantes aderem, onde participam, conhecendo bem quais são as condições de trabalho que há” (emprego em que os trabalhadores sabem que vão ser despedidos); “quando os militantes do bloco são convidados para tarefas de carácter profissional, sabem e isso é claramente discutido com eles” (quando os contratamos avisamos logo que vão ser despedidos) “tem de se restringir” (tem de se despedir); “trata-se de prescindir de colaboração” (trata-se de despedir); “é preciso recuar” (é preciso despedir); “é preciso adaptarmo-nos às dificuldades” (é preciso despedir). Fernando Rosas conhece mais formas para se despedir do que José Cid no tema Um grande, grande amor.

No fundo, quando Fernando Rosas insiste que o Bloco não é uma empresa, o que está a dizer é que um trabalhador do Bloco não é um trabalhador. Logo, não tem os mesmos direitos dos trabalhadores. É um exemplo de “casa de ferreiro, espeto de pau”. Aliás, é mais “casa de ferreiro, espeto de pau enfiado no olho do colaborador”. Isto poderia ser um problema, até porque, como Fernando Rosas diz sobre a situação económica actual:

Uma grande prioridade é o trabalho. (…) E isso vai ser muito importante, porque vem aí aumento de preços, redução de serviços, até provavelmente redução de bens, apesar de se estar a ter um discurso tranquilizador. Aumento da precariedade. Vem aí uma nova modalidade política de austeridade, isso é quase incontornável na situação em que se mantém a guerra, da corrida ao armamento, o dinheiro que se devia gastar no desenvolvimento económico e social vai gastar-se nas armas, isso provoca nova inflação e isso significa que vão aumentar as taxas de juro, os preços dos bens, vai cortar-se o investimento nos serviços de interesse publico, nomeadamente as pensões, a assistência a vários grupos sociais, etc.”

Ou seja, vem aí uma crise lixada. De maneira que vamos despedir gente. Mas, como as pessoas já conhecem o Bloco, acabam por não se aborrecer. Atenção, é possível que Rosas esteja certo. Se há alguém em quem podemos confiar para ter uma noção objectiva da realidade, é num velho trotskista. O mais provável é Rosas saber como é que as coisas se passam num lar de bloquistas:

– Chegaste mais cedo a casa.

– Fui dispensado da minha militância profissionalizada.

– Foste despedido? Não acredito! O que é que te disseram?

– Disseram que, por culpa do povo ignorante e em virtude do insucesso eleitoral, era necessária uma adaptação às dificuldades. Portanto, o Bloco prescinde da minha colaboração.

– E o que é que respondeste?

– Agradeci a oportunidade de continuar a servir o Bloco através da minha inactividade.

– E agora, como é que nós nos adaptamos às dificuldades? Prescindimos da colaboração da creche? Do passe? Do jantar?

– És mesmo egoísta. O Bloco a passar por esta situação, as manas Mortágua e a Catarina a terem de partilhar um assessor!, e tu só pensas nessas mesquinhices. És mesmo burguesa.

– Não me fales em burguesa, que é metade de uma hamburguesa e nem para isso temos dinheiro. Como faço para ir às compras?

– É fácil. Chegas à prateleira do supermercado e, quando fores a pegar num pacote de massa, fazes como o partido e recuas.

– Isso não faz sentido.

– São sacrifícios que temos que fazer para o Bloco continuar forte e focado na luta pelos direitos dos trabalhadores.

– Trabalhadores como tu!

– Não sou trabalhador, sou um colaborador que milita profissionalmente no Bloco.

– Tens horário?

– Sim.

– Funções?

– Sim.

– Local de trabalho?

– Sim.

– Chefe?

– Não gostamos dessa terminologia capitalista, mas sim.

– Salário?

– Sim.

– Então és um trabalhador! O partido tem é de defender os teus direitos.

– Hum. Isso é a fome a falar. Amanhã já pensas de outra maneira. De qualquer maneira, sem electricidade não temos luz para ler a palavra de Trotsky. Mais vale ir já dormir.

– Amanhã é bom que comeces a procurar outro emprego.

– Colaboração.

– Cala-te.