Começou ontem em Praga, terminando amanhã, a 22ª edição da conferência Forum 2000, uma instituição fundada por Vaclav Havel em 1996. Envolvendo mais de 50 painéis (muitos deles simultâneos) e largas centenas de participantes, sobretudo da Europa e dos EUA, a edição deste ano tem por título “Democracy: In need of a critical update?”.

Trata-se de um ponto de encontro anual de académicos, políticos, jornalistas e empresários, com diferentes sensibilidades políticas, mas que se reconhecem na defesa comum da democracia representativa, da economia de mercado e da aliança transatlântica. Do encontro do ano passado dei aquiconta no Observador. Espero poder voltar a dar conta do encontro deste ano na próxima segunda-feira.

Entretanto, dias antes deste reencontro em Praga, teve lugar no Lago de Como, em Itália, sob os auspícios da Fundação Konrad Adenauer, uma reunião de académicos euro-americanos sobre “Democratic Resilience and Renewal”. Embora de muito menor dimensão do encontro de Praga, também esta reunião congregou sensibilidades políticas diferentes, partilhando a defesa comum da democracia liberal e da aliança euro-americana.

Na bela Villa La Collina, onde Konrad Adenauer costumava passar férias, cerca de 20 participantes partilharam durante dois dias as suas preocupações sobre o estado actual da democracia, sobretudo na Europa e nos EUA, mas também à escala global. Acordámos aplicar as chamadas “Chatham House rules” , segundo as quais os argumentos apresentados na reunião podem ser citados publicamente, mas não atribuídos especificamente a quem os proferiu.

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O argumento e a preocupação centrais eram na verdade comuns a todos os participantes: a erosão do chamado “centro vital” nas democracias euro-americanas, com o correspondente declínio da civilidade do debate e da concorrência entre centro-direita e centro-esquerda — e o simultâneo crescimento de tribalismos rivais entre populismos de sinal contrário, muitos deles anti-democráticos, outros simplesmente bizarros e de gosto duvidoso.

Alguns participantes, (entre os quais me encontrei, mas seguramente não todos) observaram que esta infeliz polarização tende a ser descrita de forma enviesada em grande parte dos meios de comunicação social. Ela tende a ser atribuída sobretudo, quando não exclusivamente, ao chamado populismo da direita radical. Este populismo existe sem qualquer dúvida, e deve ser combatido sem hesitações. Mas não poderá ser derrotado se o populismo rival — o da esquerda radical — for ignorado. E, pior ainda, se algumas posições da esquerda radical começarem a ser aceites como normais pelo “centro vital” das democracias liberais.

Em meu entender, um destes conceitos da esquerda radical que tem vindo a ser aceite como normal é a hostilidade contra o sentimento nacional e a sua precipitada identificação com o nacionalismo agressivo e xenófobo. Esta hostilidade e esta identificação são totalmente contrários às tradições da direita e da esquerda democráticas e como tal devem ser denunciadas.

Um aspecto importante daquela hostilidade é, em meu entender, a condenação de qualquer proposta de política de controlo da imigração como sendo contrária à democracia e reveladora de xenofobia. Trata-se de um erro fatal. A oposição à imigração descontrolada não é sinónimo de oposição a toda e qualquer imigração — um ponto que foi recentemente sublinhadono Estoril Political Forum por José Manuel Durão Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia, quando distinguiu entre uma “política de portas abertas e uma política de portas escancaradas”.

Por outras palavras, é urgente re-descobrir a tradição de um patriotismo liberal e democrático aquilo que William Galston chamou de patriotismo razoável”, também no mais recente Estoril Political Forum. Mas esta re-descoberta só será possível se for restaurada a civilidade do debate, e da necessária concorrência, entre centro-direita e centro-esquerda nas democracias liberais.