A agenda mediática ocupa-se da vacina para a Covid-19 e de umas eleições presidenciais que despertam pouco entusiasmo. O vencedor já é conhecido, à primeira volta, e não se perspetiva que consiga alcançar a marca dos 70%, resultado obtido por Mário Soares em 1991. No entanto, estas eleições não se esgotam na confirmação do seu vencedor. Existem outras ilações e repercussões a ter em conta em todo o espectro político.

Da direita à esquerda, o que poderemos esperar dos resultados das presidenciais no dia 24 de Janeiro? Eis seis ilações a destacar num prognóstico a duas semanas das eleições:

1A vitória dos populares e dos populistas e a perda de força dos partidos

Apesar de só um dos candidatos ser independente, sem nenhum apoio partidário, estas eleições serão marcadas pela vitória dos populares e dos populistas. O poderio partidário terá pouca relevância. Na ala popular – pela forma e por se afirmar como candidato independente –, Marcelo Rebelo de Sousa alcançará um dos melhores resultados em eleições presidenciais. E Vitorino Silva (o conhecido “Tino de Rans”) poderá voltar a surpreender, tal como em 2016, em que alcançou mais de 3% da votação. À direita e à esquerda, as fações populistas disputarão o segundo e terceiro lugares: André Ventura e Ana Gomes. O líder do Chega faz do populismo a sua agenda. Ana Gomes é mais discreta, mas são habituais os recursos fáceis ao populismo, a um discurso anticorrupção primário, por vezes, mas apelativo aos eleitores. Estes quatro candidatos alcançarão cerca de 90% dos votos. Relembro que apenas André Ventura é assumidamente candidato de um partido. Os restantes apresentam-se como independentes. Mais uma vez, estas eleições demonstrarão a degradação da imagem dos partidos e o apelo da população por movimentos independentes ou por candidatos que se tenham afastado dos aparelhos partidários.

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2 O triunfo de Marcelo pelo estilo e não pelas suas ideias

Marcelo é um conservador. O desconforto perante a eutanásia, o casamento entre casais do mesmo sexo e outros temas fraturantes é notório. As suas posições e notoriedade atraíram votos à direita em 2016. Hoje, a história é diferente. Marcelo adotou um estilo presidencial muito distinto do seu antecessor. A omnipresença mediática, a proximidade à população, o desprendimento de alguns formalismos e protocolos presidenciais e a comunicação fácil permitiram-lhe captar votos de todo o espectro político. Deixou de ser o candidato da direita (por muito que custe ao PSD), o que se torna evidente nas sondagens: há uma maior percentagem de apoiantes socialistas a darem nota positiva a Marcelo e a votar nele, do que sociais-democratas. Curioso. Marcelo vence pelo seu estilo, que convenceu a maioria dos portugueses. As suas convicções políticas são, por isso, neste ato eleitoral, relegadas para um segundo plano e têm reduzida influência nos resultados.

3 Uma direita derrotada que se apropria de uma vitória que não é sua

Os discursos da noite eleitoral serão expectáveis, sobretudo à direita. O PSD e CDS irão declarar vitória. O seu candidato vencerá com larga vantagem. Tentarão capturar os louros de uma vitória que não é deles. As sondagens são reveladoras da insatisfação de uma parte não insignificante dos eleitores de direita face ao atual Presidente da República. Essa ala social-democrata e centrista não se revê num Presidente que tem sido o amuleto do Primeiro-Ministro. Uns refugiam-se agora em Ventura. Ainda que não seja oficial, Marcelo é o candidato de António Costa e da maioria do Governo. A sua vitória será mais útil ao PS do que à direita. Fortalece esta governação, enfraquece a oposição.

A direita está entretida nas suas guerrilhas internas, fechada no seu casulo. O que importa não é vencer os adversários externos, é silenciar os opositores internos. Nas últimos quatro eleições presidenciais, contando com a atual, houve sete candidatos socialistas (militantes ou muito próximos do PS) a candidatarem-se sem o apoio formal do respetivo partido: Ana Gomes, Maria de Belém, Manuel Alegre, Sampaio da Nóvoa, Henrique Neto, Defensor Moura e Cândido Ferreira. Na ala social-democrata, a contabilidade é mais fácil: zero. Os otimistas dirão que é sinal de união à direita, em torno de Cavaco Silva e de Marcelo Rebelo de Sousa. Onde uns constatam união, eu vejo falta de pluralismo, vejo um aparelho partidário fechado que não deixa espaço para visões alternativas. O espaço político à direita é dominado pela visão dos líderes vigentes em cada momento. Esgota-se aí. À mínima aparição de Passos Coelho, a direita suplica o seu regresso, qual D. Sebastião. O reconhecimento do seu mérito é justo, mas é também sintoma da ausência de figuras relevantes neste espectro político. Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos ancoraram-se na opção óbvia, mas fácil, de apoiar Marcelo e, assim, conseguir um balão de oxigénio extra nas suas tremidas lideranças. Até quando? Uma direita em crise que continua sem soluções, sem alternativas, sem visão de futuro.

4 O catapultar de André Ventura para o pódio em 2023

André Ventura apostou as fichas todas nestas eleições e receberá os louros com um resultado próximo ou acima dos 10%. O palco é perfeito para potenciar o seu crescimento mediático. Mesmo quando os analistas políticos assinalam a sua derrota em algum debate televisivo, na realidade foi mais uma vitória junto do seu eleitorado. Cada minuto de exposição televisiva traduz-se em mais votos. André Ventura não precisa de um discurso coerente e consistente. Nem precisa de ter razão. Muito menos precisa de mostrar factos. O seu eleitorado e aqueles que procura atrair apenas procuram aliar-se a uma voz discordante, alguém que se apresente como antissistema (apesar de já não o ser), alguém que diga no espaço público aquilo de que o português comum se queixa no café. Ser polémico alimenta o seu poder. Ser presença habitual nas plataformas de fact checking e ser o alvo da maioria dos opositores políticos permite-lhe vitimizar-se e unir ainda mais os seus apoiantes. É um marketeer, daqueles que aposta na tese “falem bem ou falem mal, mas falem de mim”. E tem razão, ele ganha com isso. O espaço de André Ventura cresce e poucos têm conseguido enfrentá-lo. Daqui a dois anos, se nada de transcendente se alterar no PSD e CDS, estará a lutar pelo pódio na Assembleia da República.

5 O voto útil em Ana Gomes, em prejuízo de Marisa Matias e Marcelo Rebelo de Sousa

Se na luta pelo primeiro lugar estas presidenciais não suscitam muito entusiasmo, na corrida para a segunda posição a situação é diferente. É aí que se jogam estas eleições. Um segundo lugar para André Ventura galvanizaria exponencialmente o partido e os seus simpatizantes. Como referido anteriormente, a luta pela terceira posição nas legislativas de 2023 ficaria ainda mais em aberto. Esta acesa luta política no pódio presidencial conduzirá a uma concentração de votos à esquerda em Ana Gomes. Uma candidata interessante para a base eleitoral do BE e que poderá roubar alguns potenciais votos a Marcelo, de socialistas que veem maior utilidade do seu voto na militante socialista. É expectável, inclusive, que surjam figuras de relevo à esquerda a apelar a este voto útil.

6 A abstenção mais elevada de sempre em presidenciais

Em 2016, a taxa de abstenção ficou-se nos 51%, ligeiramente abaixo dos 54% de 2011. O cenário para este ano é muito pouco animador (chegaremos aos 60%!?), com três efeitos a contribuir. Primeiro, a pandemia. Ainda não são conhecidos todos os procedimentos adotados para facilitar o cumprimento do direito de voto e a ida às urnas. No entanto, é evidente que será um motivo dissuasor para as pessoas saírem de casa. Na vizinha Espanha, no passado mês de julho, as eleições para os governos regionais do País Basco e Galiza tiveram um aumento de abstenção de 7 pontos percentuais (p.p.) e 5 p.p. respetivamente, face aos atos eleitorais anteriores. Duas semanas antes, na segunda volta das eleições municipais francesas, também se atingiu um recorde de 60% de abstenção, mais 5 p.p. do que na primeira volta, decorrida em março (no início do surto na Europa). As eleições regionais nos Açores foram, provavelmente, uma exceção. Graças à acesa disputa (que se verificou nos resultados finais) a abstenção até reduziu. O segundo fator a contribuir para a abstenção é a vitória antecipada de Marcelo Rebelo de Sousa. Aliás, o atual Presidente da República será o principal prejudicado pela taxa de absentismo. Terceiro, o crescente afastamento da população das decisões políticas. É uma tendência verificada em todas as eleições e é o fator mais preocupante. No entanto, perante tantos efeitos a contribuir para a abstenção, este último será provavelmente desprezado e esquecido, infelizmente.

Dia 24 de janeiro será confirmada a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa para mais um mandato presidencial. A preocupação mediática sobre a percentagem que será alcançada pelo atual Presidente da República é o que, na realidade, menos importa. Há muito mais em jogo, com diversas repercussões políticas expectáveis. Dia 25 fazem-se as contas, tiram-se ilações e preparam-se as armas para os próximos alvos: autárquicas de 2020 e, sobretudo, legislativas de 2023.