Muito se fala em salário emocional como forma de retenção de talento. Desde o pagamento por parte da entidade patronal de seguros de saúde, de formações e a possibilidade de trabalho em horário flexível e/ou à distância, múltiplos podem ser os exemplos de benefícios não financeiros que por essa razão não fazem parte do recibo de salário.

O conceito de salário emocional provém de um outro: a Felicidade Interna Bruta – adiante designada pela sigla F.I.B. – que teve origem em 1972 no Butão, reinado situado no extremo leste do Himalaia.

O indicador do F.I.B. servia para o rei butanês verificar o crescimento do seu país tendo em conta outros dados que não económicos num conjunto de conceitos ligados ao bem estar individual. A Organização das Nações Unidas recriou recentemente o conceito do índice F.I.B. como forma de complementar as medidas de crescimento habituais, como é caso o Produto Interno Bruto.

Todos sabemos (e valorizamos) que o aumento da produção está intimamente ligado aos mais variados aspectos da vida pessoal e emocional. Porém, o salário emocional que começa a mergulhar na nossa esfera pública como sendo uma espécie de tábua de salvação para reter talento, parece esquecer-se do país real.

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Um jovem, que possa auferir um salário de 1500,00 euros, e com alguns benefícios emocionais – há, por exemplo, quem pague o ginásio aos seus colaboradores – precisa de ter alguma sorte. Desde logo encontrar um salário de 1500,00 euros numa entidade que se disponha a pagar também alguns outros benefícios. É preciso que, depois das contribuições e dos impostos retirados pelo Estado ao salário do trabalhador, este consiga ser auto suficiente para pagar todas as contas e ainda possa sobrar algum dinheiro para poupar.

O nosso tecido empresarial, composto em cerca de 98% de pequenas e médias empresas, com um suporte infindável de impostos e outras taxas, não pode suportar, por mais bonito que isto possa ser, outras regalias para além do salário.

Outras há que, pela sua dimensão, optam por outras formas de complemento ao salário regular, como mais à frente se demonstrará .

Se perguntarmos a um jovem recém licenciado se prefere auferir pouco mais que o mínimo nacional mas ter pago um ginásio, ou se prefere ser ele a pagar esse mesmo ginásio mas auferir de acordo com a sua função e habilitações e com essa remuneração tornar-se independente, por certo responderá que o tal salário emocional não servirá de muito porque as contas do supermercado, ou mesmo a prestação da casa, não se pode pagar com essa espécie de remuneração não financeira.

Falar de salário emocional, num país cada vez mais pobre, onde todos os anos se discute o valor mínimo de remuneração que se entende necessário para se (sobre)viver, é desviar a atenção do essencial. É estar a discutir o acessório e não o essencial como é muita das vezes apanágio na nossa discussão pública.

Não podemos falar do tal salário emocional sem antes debater de forma séria como se pode aumentar o salário que na verdade paga as contas todos os meses. É isto que interessa a todos.

Não discutirei a importância que se possa dar ao salário emocional no desenvolvimento das economias modernas e das sociedades evoluídas. Nem Portugal detêm uma economia moderna, nem podermos dizer que é uma sociedade evoluída. Mas se dizem que nem tudo é dinheiro, para quem não o tem e sobrevive em escassas condições neste país, o tema que agora floresce na nossa sociedade sobre o salário emocional é ligeiramente ridículo.

Podemos encontrar um índice que nos prova a triste realidade dos nossos salários não emocionais. Basta analisar os dados que a Autoridade Tributária tem ao dispor para perceber que 2,3 milhões de agregados não pagam IRS. Isto é, mais de 40% dos portugueses ativos estão isentos de imposto sobre o rendimento do trabalho dependente pela simples razão de auferirem rendimentos baixos.

Esta é a questão essencial que deve ser debatida até à exaustão.

Se refletirmos sobre esta elevada percentagem, rapidamente concluiremos que o salário emocional, no aqui e no agora, perde todo o interesse, porque o Miguel quando vai ao supermercado não pode pagar o peixe nem a carne com um largo sorriso na rosto, dizendo “muito obrigado e até à próxima”.

Há uma questão estrutural para resolver em Portugal e ela não é emocional. Aliás, até é emocional, mas pela falta do outro lado que contribui definitivamente para a felicidade. Ou seja, de euros.

A questão de como valorizar o trabalho far-se-á também com políticas fiscais atrativas, tanto para as empresas que empregam, como para as pessoas que dependem das organizações.

A distribuição de prémios que algumas empresas levam a cabo, como foi o caso do Pingo Doce, ao atribuir a cerca de 22 mil colaboradores um cheque de 750 euros, é um exemplo de compensação que reforçou salários.

Muitos outros exemplos haverá por parte de grandes empresas que optam por perceber que na realidade o que interessa é mesmo o dinheiro. Nesta questão dos prémios, como incentivo e agradecimento pelo esforço de um coletivo que permita alcançar melhores resultados, é pertinente perceber que também aqui o Estado, através da tributação deste acréscimo salarial, tem uma ideologia fiscal pouco amiga, quer das empresas quer dos colaboradores. Tributando desmesuradamente as organizações e os colaboradores nesta espécie de remuneração, estar-se-á a afastar a possibilidade de o fazer mais regularmente.

O salário em dinheiro, do qual o estado leva uma grande fatia para quem aufere rendimento acima do SMN, é a questão central. Falemos então de como tudo poderá ser diferente para depois debatermos com seriedade o tema do salário emocional.

Enquanto não se perceber que o que faz falta é dinheiro na carteira para depois, sim, animar a malta, não se vai a lado nenhum e continuamos a discutir um tema que só interessa a uma minoria que por certo até consegue fazer com que os dias cheguem ao fim com algum no bolso.

Até lá, enquanto estruturalmente não se implementarem políticas que façam crescer os salários dos trabalhadores, andaremos à volta de um tema que não resolve coisa nenhuma. Poderei no entanto estar enganado em toda a minha análise. Se assim for, por favor que me digam como se paga a conta do supermercado sem dinheiro.