Quietos em casa e envolvidos pelas notícias que nos tecem recomendações a toda a hora, limitando o nosso espaço de liberdade (para um bem maior, claro), surge inevitavelmente a questão de qual o sentido de tudo isto. Qual o sentido da nossa vida neste novo modo de estar?

O neuropsiquiatra austríaco Viktor Frankl, em O Homem em Busca de um Sentido, escrito a partir da sua vivência nos campos de concentração nazis, dá-nos conta de como ele e outros sobreviveram aos horrores a que foram sujeitos projetando-se numa experiência futura. No seu caso, imaginava-se no reencontro com a sua mulher ou a apresentar a sua tese sobre logoterapia perante uma audiência. A partir da sua própria experiência e no sentido de ajudar os outros a encontrarem os seus próprios objetivos, Frankl quis demonstrar que, ao traçar um propósito para a existência individual, cada um de nós ganha coragem para lutar diariamente por aquilo que deseja e faz sentido para si mesmo. Esta determinação ajudou-o a sobreviver a situações terríveis e exemplificou bem que, com sentido no amor, no trabalho que queria desenvolver e na perseverança em ultrapassar as adversidades, a sua teoria atuou.

A história de Papillon, famoso prisioneiro francês que fugiu da Ilha do Diabo, ilustra bem a teoria de Frankl. No livro e no filme que recriam a sua história, seguimos com emoção as peripécias e confirmamos que foi também a sua veemente tomada de decisão em fugir da prisão e provar a sua inocência o que o ajudou a sobreviver à solitária, à má alimentação e aos maus tratos. Nem Frankl nem Papillon reencontraram as amadas no final das desventuras, mas ambos mostraram ao mundo como foram capazes de se transformar a partir das atrocidades que viveram. Pelo seu sofrimento, proporcionaram-nos conhecimento.  E inspiração para olharmos e cuidarmos daqueles e daquilo a que damos valor, projetando o que desejamos concretizar mais à frente.

Para a maioria das pessoas, o sentido da vida é a aspiração a um sentimento de felicidade. Mas todos sabemos que viver nessa redoma de eterno bem-estar é uma bela ilusão realisticamente inalcançável! A felicidade é efémera e temos (ou devemos) saber lidar com o Real.

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Em O Mal-Estar na Civilização, influenciado pela experiência da Primeira Guerra, Freud já enunciava que o Homem sofria por ter de se oprimir perante o imperativo civilizacional, porque o seu propósito era antes seguir o princípio do Prazer. Então, para sermos civilizados, teríamos de inibir, reprimir ou sublimar o prazer. A felicidade seria um estado provocado somente pela ausência de desprazer e sofrimento.

Seguir apenas os nossos impulsos na busca de uma certa felicidade resultante de um estado de prazer nem sempre é consonante com as normas sociais. Para sermos felizes, precisamos de ser capazes de suportar e resistir ao desprazer, até atingirmos as nossas metas. Devemos capacitar-nos para integrar em nós o princípio da realidade com que nos deparamos e à qual temos de nos adaptar da melhor forma. Conscientes de algo que nos falta, colocamos à prova a nossa capacidade de idealizar e simbolizar. E, como tal, procuramos habitar estados de felicidade regulando a satisfação pessoal/social, o sentimento de desejo/frustração, o sonho versus realidade. Mostramo-nos aptos a criar algo que colmate a falta do que sentimos. E associamos felicidade a uma certa quietude.

Encontramos o sentido da nossa vida nos ditos momentos que identificamos como estados de felicidade intermitentes. Quando os alcançamos, somos, afinal, inundados por uma sensação de prazer e despertamos para fruir da contemplação da beleza das pequenas (grandes) coisas que nos tocam e comovem. Sentimo-nos felizes com o amor em todas as suas variações, com o resultado alcançado através do brio do nosso trabalho, com o desfrutar das mais diversas formas de arte ou a satisfação conquistada através do exercício físico.

Não é possível viver-se em permanência num estado de felicidade esfusiante. Até porque, se assim fosse, não se demarcava a diferença entre satisfação/insatisfação, prazer/desprazer, felicidade/infelicidade. Devemos procurar viver com tranquilidade todos os cenários da vida, de modo a preservar o nosso bem-estar psíquico. E, claro, não podendo mudar as circunstâncias da realidade atual, podemos, sim, adotar uma atitude positiva e reinventar novas formas de estar. Aproveitar para definir objetivos pessoais, familiares, profissionais.  Fazer planos para um futuro próximo. E não nos esquecermos, nunca, de que viver é já em si o sentido primordial da nossa vida.

anaeduardoribeiro@sapo.pt