Sem certezas históricas, podendo ser fruto de um mito construído pelos nossos marinheiros portugueses, o termo bombordo vem do tempo dos descobrimentos das terras africanas. Enquanto navegavam costa abaixo, no sentido Norte para Sul, os navegadores avistavam as terras do lado esquerdo, olhando-as como territórios promissores e inspiração de prosperidade e esperança. Um lado esquerdo a bom-bordo, bombordo. Em oposição à paisagem do horizonte de mar sem fim, do lado direito, a este-bordo, estibordo.

Navegar a bombordo é a possibilidade de desbravarmos aventuras mas com o sentido de nos dirigirmos em simultâneo com o olhar sob um horizonte securizante, que por mais ao fundo esteja, não nos deixa sentir perdidos e amedrontados. Se Caetano Veloso canta o verso de Fernando Pessoa, navegar é preciso, viver não é preciso, … viver (bem-aventurado) é sempre preciso.

Se a sensação de marear é feliz e afortunada pela liberdade e condição de partir para o modo de evasão, avistar a referência da terra firme e contar com a figura de um capitão destemido, determinado mas também tranquilo e ponderado a bordo, é igualmente prestigiosa para se viver um sentimento de satisfação durante a viagem. Se o baloiço da embarcação move adrenalinas, o barulho do lançar âncora inspira estabilidade e confiança.

No tecido relacional e psíquico, vivermos relações de ancoragem, sejam elas familiares, de amizade, conjugais, são de extrema importância para nos sentirmos amparados e protegidos. Poder contar com relações de companheirismo, fidelidade e cumplicidade faz-nos poder navegar para tão longe quanto os ventos nos permitirem. Sentindo-nos suficientemente seguros, partimos rumo a lugares de desbravura e, com sorte, de encanto. Descobrimos o mundo tais bebés quando começam a andar e a afastar-se da base segura, referência materna/paterna. Aventuramo-nos por termos como base bons vínculos.

O fascínio da viagem numa embarcação é ser uma viagem que possibilita, em alternância, estados de deriva e de ancoragem. Na estruturação de uma vida psíquica saudável, também oscilamos entre estes dois estados. Integramos a liberdade de ser, sentir, pensar, desejar e os limites de não ultrapassar fronteiras que nos coloquem em perigo ao longo da vivência destes processos. A figura de um capitão/figura paterna de referência para a tripulação, mantém a ordem e faz cumprir as regras. As regras necessárias para avançar em segurança e todos chegarem a bom porto. Numa embarcação, onde são indesejáveis ratos de porão, cada elemento deve ser capaz de cumprir a sua função num trabalho de grupo de cooperação. Pode cada um ser diferente, mas se não houver a noção do todo, e igualmente o respeito perante as regras de cordialidade e de segurança, pode algo correr mal. E, não sendo tal o desejável, há que fazer uso da bússola interna que ajuda a escolher a melhor tripulação com quem devemos embarcar ao longo da nossa vida.

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