Ao longos dos últimos anos, tanto aqui no Observador como noutros jornais, chamei a atenção para a diferença entre a dívida pública relativamente ao PIB e o valor da dívida pública em euros. A distinção justifica-se porque a dívida pode baixar apenas porque o PIB cresce, mas subir em termos absolutos. O resultado pode ser aterrador: com uma eventual queda do PIB, a dívida (que nunca deixou de subir) tornar-se-á ainda mais asfixiante do que no passado.

É a este cenário que estamos em risco de assistir.

Quem o diz não sou eu, mas Mário Centeno. O ministro das finanças públicas que baixou a dívida relativamente ao PIB enquanto fechava os olhos à subida do seu valor. Foi no passado dia 6 que Centeno lançou o alerta. Fê-lo em vésperas da discussão do Orçamento de Estado para 2022 e um mês depois do governador do Banco Central da Áustria referir que o BCE pode subir as taxas de juro mais rapidamente do que os mercados prevêem. Já em Julho último, Centeno avisara que Portugal terá de reduzir a dívida “assim que a pandemia permitir”. Uma subida das taxas de juro será desastroso para Portugal porque desde 2016 que se faz de conta que a dívida está controlada. Uma ilusão que se acentuou quando se quis acreditar que o endividamento durante a pandemia foi excepcional (porque derivado da própria pandemia) e não fruto da vontade dos socialistas alargarem os tentáculos do Estado.

Mas não é apenas Mário Centeno que se mostra preocupado. Francisco Assis, também.

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(Permitam-me que refira que considero um ‘salto civilizacional’ um socialista afirmar que a dívida pública impede o crescimento da economia e o desenvolvimento do país. Acrescentaria que  representa também um egoísmo nosso, uma falta de solidariedade imperdoável da nossa parte para com os mais novos e os Portugueses que ainda não nasceram. Talvez num futuro próximo os socialistas lá chegarão).

Por estes dias deram-se dois factos curiosos. O primeiro foi a demissão de 87 médicos do hospital de Setúbal; o segundo, a demissão do presidente da CP. Em Setúbal fala-se de “situação dramática” e “ruptura iminente”. Na CP, o presidente demissionário lamentou as dificuldades na gestão da empresa que terão dificultado o seu trabalho. Tanto num como noutro caso o governo lida com um problema similar: a falta de dinheiro. E é precisamente este ponto que é curioso: a falta de dinheiro.  O problema que norteou a legislatura entre 2011-15 continua de pedra e cal apesar do virar de página na austeridade. Apesar de a dívida (relativamente ao PIB) ter descido durante a governação socialista.

Problemas como os do hospital de Setúbal e da CP sucedem, não devido à pandemia mas porque o país fechou os olhos à realidade. A maioria quis convencer-se que o excedente orçamental de 2019 foi algo fantástico que ia abrir novos horizontes de progresso. Poucos se importaram que fosse conseguido à custa de cativações e dinheiro barato; que não se devesse à queda da despesa. Poucos foram os que se preocuparam com os números reais e concretos da dívida pública. Entusiasmado, Marcelo ora dançava de braço dado a Ferro Rodrigues e Fernando Medina ora dividia o guarda-chuva com António Costa. Ouviram-se alguns alertas, é verdade. Mas vinham dos pessimistas de sempre. Agora que um dos optimistas daquele tempo dourado está preocupado, talvez alguém o ouça.

Digo talvez porque o mais natural é que dança continue. Assim tem de ser para que nenhum dos dançarinos tropece.