Portugal conformou-se com 6 anos de governo socialista sem reformas e a perspectiva de mais 4 pelo mesmo caminho. Sinal disso mesmo é o pouco que se exige a António Costa. Veja-se o artigo de opinião de Mafalda Anjos, directora da Visão, no qual aconselha o PSD a “reformar, sim, mas explicar para quê e em que moldes e traçar os resultados expectáveis.”. Ou seja, faz recair sobre o maior partido da oposição um ónus superior ao que carrega o governo. Do texto depreende-se que Mafalda Anjos reconhece que são necessárias reformas mas que, como o PSD não as apresenta nem as explica devidamente, prefere que o PS contenha os danos provocados pela deterioração da qualidade de vida.

O argumento de Mafalda Anjos tem dois pontos interessantes que me convenceram a comentar o seu artigo. Primeiro, reconhece que são precisas reformas; segundo, que é a oposição que as deve apresentar, não o governo que as deve implementar. Começemos pelo primeiro ponto: a que reformas se refere Mafalda Anjos? A directora da Visão não as menciona (nem teria de o fazer), mas deduzo serem as que, consensualmente, se discutem há anos: reforma da administração pública, reforma da justiça, concentração do Estado no exercício da suas funções essenciais (saúde e educação, incluídas), reforma das leis laborais, do arrendamento, redução da despesa pública, da dívida pública e, consequentemente, redução dos impostos; reformas na saúde e na educação; reforma do sistema eleitoral; autonomia do poder local a par de uma descentralização fiscal. Há muitas mais, mas estas já ‘têm pano para mangas’ para muito tempo. Acima de tudo seriam suficientes para pôr de sobreaviso os mais prejudicados com essas mesmas reformas. Não que as ditas fossem feitas contras essas pessoas, mas porque uma reforma do Estado implicaria que deixassem de fazer o que fazem actualmente.

O segundo ponto respeita ao truque de se ser mais exigente com a oposição que com o governo. Bem sei que aos partidos da oposição não basta criticar o governo. Também lhes cabe apresentar alternativas. Mas não é isso que está em causa, pois o que Mafalda Anjos pede é que a oposição sustente essa alternativa nuns termos que a própria não define. ‘Em que moldes e traçar resultados expectáveis’ é algo tão amplo e subjectivo que à mínima explicação Mafalda Anjos dirá que não serve. É uma forma de, sub-repticiamente, não tirar a pressão de cima da oposição ao mesmo tempo que se aceitam quaisquer justificações para a inacção do governo.

O Estado português é um dos mais endividados do mundo. Algo inacreditável num país que há 188 anos não tem guerras no território que hoje ocupa, com uma situação geográfica ímpar que garante a sua integridade territorial, sem catástrofes naturais, com uma democracia incontestada, integrado na UE, aberto ao exterior, com acesso a inúmeros mercados e cujo passaporte é um dos mais cobiçados do mundo. Uma dívida como a do Estado português só se justifica com má governação. Sabemos que, em 2004, a dívida pública era de 102 mil milhões de euros (67% do PIB) e que, em 2021, atingiu os 270 mil milhões de euros (127% do PIB); também sabemos que PSD e CDS foram governo com um programa impopular de reformas para contenção dessa mesma dívida. Ou seja, sabemos quais foram os maus governos que a contraíram. Só governos maus e péssimos governantes justificam uma dívida como a do Estado português num país com as vantagens do nosso.

Tivemos uma sucessão de maus governos socialistas que colocaram Portugal numa posição tal que apenas um programa de reformas extremamente difícil o pode salvar. Ora, o ponto é precisamente este: a dificuldade não está em explicar as reformas, mas nas próprias reformas que são impopulares. Por alguma razão Costa e Marcelo são populares. Ambos garantem que, com eles, as reformas não se fazem. Os dois afiançam que, com eles, o estilo de vida se mantém com o dinheiro de Bruxelas. O mais estranho é que, perante o que é do conhecimento público, o foco continue a ser posto na oposição ao invés de em que governa. No fundo, sabemos bem como chegámos até aqui.

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