Não se esperava que a legislatura acabasse tão abruptamente, mas assim tendo sido, caducou o diploma que se propunha despenalizar a eutanásia e que tinha sido vetado pelo Presidente da República. No entanto, é previsível que o próximo Parlamento reinicie o processo legislativo necessário para a legalização do homicídio a pedido da vítima.

Este tema é, certamente, o mais relevante da actual agenda política nacional, na medida em que põe em causa um princípio matricial da civilização humanista cristã: o respeito absoluto pela vida humana inocente. Assim sendo, é imperioso que esta matéria seja referida por todos os partidos concorrentes às próximas eleições legislativas. Sem essa informação, nenhum cidadão poderá decidir, em consciência, o seu voto. Por se tratar de um tema ético e moral, as religiões e associações profissionais, nomeadamente a Igreja católica e a Ordem dos Médicos, devem também contribuir, no âmbito das suas competências próprias, para o cabal esclarecimento moral e científico, respectivamente, dos cidadãos, no mais escrupuloso respeito pela sua liberdade de voto. Calar, por oportunismo político ou medo, seria, para além de uma grave omissão, uma indesculpável cobardia.

No final do ano transacto, o Movimento Acção Ética (MAE), que reúne personalidades de grande prestígio, como o economista António Bagão Félix, o jurista Paulo Otero e os médicos Pedro Afonso e Victor Gil, exigiu aos partidos que divulguem as suas posições sobre “temas de assinalável componente ética”, como os cuidados a prestar às pessoas em fim de vida, ou a eventual legalização das drogas leves.

O MAE lamenta que o Parlamento tenha legislado sobre temas morais, “sem que os mesmos tenham sido propostos nos programas eleitorais dos partidos proponentes”. Por isso, “será indispensável que, nestas eleições, [esses temas] possam ser conhecidos e discutidos, sem ambiguidades, porque só o voto esclarecido é verdadeiramente livre”. Este Movimento espera que a campanha eleitoral seja marcada por “ações necessárias para o mais completo esclarecimento dos eleitores sobre as questões essenciais, não se concentrando em problemas menores, epifenómenos meramente circunstanciais ou ligados a interesses de clientelas ou grupos”.

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Razões não faltam ao MAE porque, se houve um processo legislativo pouco transparente e democrático, esse foi, sem dúvida, o que respeita à eutanásia. Como é sabido, em cerca de trinta dias, mais de 95 mil cidadãos subscreveram uma Iniciativa Popular de Referendo sobre esta matéria, que a Assembleia da República inviabilizou. A decisão de despenalizar e legalizar o homicídio a pedido da vítima é, sem dúvida, fracturante e, por isso, não deveria ser tomada sem o envolvimento e participação da sociedade civil. No entanto, a maioria dos deputados, temendo o resultado da consulta popular, optou por reservar para o Parlamento essa decisão, não obstante a sua falta de legitimidade democrática para tal, bem como a sua manifesta incompetência para decidir uma questão moral.

É sabido que o Partido Socialista é um dos principais promotores da eutanásia em Portugal: a sua deputada Isabel Moreira tem dado a cara por este diploma, que já por duas vezes foi vetado pelo Presidente da República, não tanto por razões de fundo ou de princípio, que o Chefe de Estado não teve necessidade de invocar, mas por deficiências técnicas ou jurídicas, dadas as imprecisões do diploma. Neste sentido, mais do que um veto político, poder-se-ia dizer, recorrendo ao argot académico, que se tratou de um verdadeiro ‘chumbo’: o Professor Marcelo reprovou, por duas vezes, os medíocres autores do diploma, cujos conhecimentos jurídico-constitucionais são, no douto parecer do mestre, manifestamente insuficientes.

Na extrema-esquerda, o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda têm, em relação à eutanásia, posições antagónicas: enquanto o primeiro defende a vida até à morte natural, o BE pretende a despenalização da eutanásia, sobretudo pela voz do deputado ‘católico’ José Manuel Pureza, que é o principal promotor do respectivo projecto de lei. O PAN também é favorável à eutanásia, mas só dos seres humanos, pois está mais interessado no bem-estar animal, do que na defesa da vida humana.

Mais à direita, a Iniciativa Liberal é abertamente favorável à legalização da eutanásia, tendo apresentado, tal como o PS, o BE, o PAN e o PEV, um projecto de lei nesse sentido. O CDS/PP tem sido, graças à sua actual direcção, coerente com o ideário democrata-cristão, na defesa da vida humana desde a concepção e até à morte natural. Outro tanto se diga do Chega. O PSD é, sobre esta matéria, um caso à parte.

Com efeito, o Jornal de Notícias, de 9-2-2020, deu a conhecer que “o congresso do PSD aprovou, […], por larga maioria, uma moção temática que pede que o partido desenvolva ‘todos as diligências políticas, institucionais e legislativas’ com vista à realização de uma consulta popular” sobre a despenalização do homicídio a pedido da vítima. Embora aprovada em congresso, “por larga maioria”, o PSD não só não honrou esse seu compromisso, como o seu presidente é favorável à implementação da eutanásia.

Salvo melhor opinião, ou mudanças na posição dos partidos sobre esta matéria, é de supor que o voto no PS, no BE, no PAN ou na IL, possa ser ilegitimamente usado, na próxima legislatura, para despenalizar e legalizar a eutanásia, que esses partidos defendem.

Pelo contrário, o voto no PCP, no CDS/PP ou no Chega é, previsivelmente, um voto a favor da vida e contra a legalização da eutanásia, porque tem sido também esta a praxe política recorrente dessas forças partidárias.

Por sua vez, o voto no PSD, salvo se o partido, até à data das eleições, tomar uma posição clara sobre esta questão, é um cheque em branco, sendo de esperar que os seus próximos deputados votem, nesta matéria, em função das suas convicções, ou falta delas.

As eleições legislativas não habilitam os deputados eleitos para uma decisão que, por ser essencialmente ética, excede a sua competência política. Por isso, os dois maiores partidos, PS e PSD, consideram que, em relação à eutanásia, os deputados devem votar em consciência. Não votam como membros do partido, em cujo caso deveriam observar a disciplina de voto; nem como mandatários dos seus eleitores, o que exigiria que fossem, para esse efeito, por eles autorizados. Embora titulares de um órgão de soberania e representantes políticos dos seus eleitores, os deputados, atendendo à natureza moral da questão, devem ter absoluta liberdade de voto, para que o possam fazer em consciência.

Quer isto dizer igualmente que o PS e o PSD entendem que, tal como os seus deputados, também o Chefe de Estado é libérrimo de promulgar, ou não, um eventual diploma que se proponha despenalizar e legalizar o homicídio a pedido da vítima. Não seria razoável que o representante de todos os portugueses, como é o Presidente da República, no desempenho das suas funções tivesse menos liberdade moral e política do que um deputado em exercício. O Chefe do Estado, tal como os membros da Assembleia, também pode – mais ainda: deve! – agir nesta matéria segundo a sua consciência, por uma questão de elementar coerência ética e porque também não está, nem jurídica, nem eticamente, obrigado a submeter-se à opção pessoal (neste particular, os deputados, na medida em que votam em consciência, apenas se representam a si próprios) da maioria dos membros do Parlamento.

Os gladiadores, quando se apresentavam na arena para um combate de vida ou morte, saudavam o imperador romano, dizendo: Salvé, César, os que vão morrer te saúdam! Os cidadãos que vão votar no próximo 30 de Janeiro, devem ter consciência de que são também os que, em função do seu voto, poderão em breve ser, ou não, legalmente assassinados.