A proposta do Governo de revisão à lei do tabaco, além de atropelar o texto da diretiva da União Europeia, pode vir a transformar Portugal em mais uma vítima das perigosas máfias associadas à grande criminalidade e cujo tabaco é apenas um instrumento.

A proposta da Comissão, surgida no seguimento da European Tobacco Products (datada de 2014 e revista posteriormente), previa no seu texto original que os países membros proibissem o consumo de todo e qualquer cigarro aromatizado – dando uma moratória a 2023, no que se refere aos cigarros para consumo aquecido.

Bruxelas prepara agora, e certamente como grande dossier da próxima legislatura, a revisão da directiva, o que seria motivo suficiente para transpor o texto actual sem necessidade de o Governo português ser criativo enquanto aguarda a nova directiva. Seria no mínimo confuso que Portugal se visse, no próximo ano, obrigado a recuar ou alterar novamente tudo. Mas é provável, caso este texto proposto venha a ser acolhido.

À proibição de cigarros aromatizados para aquecimento, decidiu acrescentar a proibição de toda a comunicação nas lojas – deixando sem margem para escolha consciente o consumidor que tem no preço uma base de escolha. Onde fica o direito dos consumidores? Não estaremos a confundir ainda mais e empurrar os fumadores para o consumo de marcas mais caras?

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Mas esta proposta vai mais longe ainda e, pasme-se, quer proibir o consumo em esplanadas e varandas de hotel ainda que tal conflitua e cotovele as liberdades individuais de cada um.

O mesmo Governo que se digladia pela liberalização do cannabis ou pela liberdade de escolha no que respeita a vida humana, seja nos temas do aborto, seja da eutanásia, é o mesmo que agora parece religiosamente preocupado com o consumo de cigarros ao ar livre. Tudo em nome de um modelo social que ninguém pediu.

Impedir que seja vendido tabaco nos cafés não só provocará o crescimento da venda clandestina como se assumirá como um ataque aos pequenos comerciantes habituados a entremear, entre dois cafés, a compra de um maço de cigarros. Deixarão os consumidores de comprar? Inegável. Deixarão de consumir? Muitas dúvidas assistem.

Informação ao consumidor através de campanhas de sensibilização? Zero. Estudos que suportem que proibir a venda reduz o consumo? Nenhum. Uma proposta que favorece as grandes cidades, onde o acesso ao tabaco é relativamente fácil e arrasa o Portugal real, onde a venda destes produtos não se faz nas grandes superfícies comerciais, desde logo por não existirem lá sequer.

Se tomássemos como exemplo a França de Macron, em que os resultados são desastrosos: 40% do consumo interno faz-se por compras no estrangeiro, ou seja, quatro em cada dez fumadores em França não compra cigarros em França.

O Ministério da Saúde arrasa os pequenos comerciantes, sobrecarrega o Ministério da Administração Interna ao obrigar a mais ações de fiscalização e destrói o Ministério da Economia com mais de 45.000 pontos de venda que poderão vir a ter de fechar, deixando mais de 5.000 pessoas no desemprego. Há empresas cujo impacto pode chegar aos 200 colaboradores despedidos no dia em que a lei for aprovada.

Ainda que se desconheça o texto final saído do grupo de trabalho no Parlamento (louvável iniciativa da Comissão de Saúde e dos seus Deputados), existe uma profunda preocupação que tange os direitos individuais, liberdades e garantias dos consumidores. Pode o consumidor entrar no ponto de venda e não ter forma de ver o preço? É isto que propõe o Governo.

Numa busca rápida na internet sabemos tudo sobre antibióticos ou armas, mesmo não os podendo comprar. Pelos vistos, a informação ao consumidor ficará vedada, para sempre. O consumidor terá de perguntar maço a maço, prateleira a prateleira quanto custa um maço. Uma logística que põe em causa demasiados empregos e empresas.

Estará agora nas mãos do Professor Marcelo decidir enviar, ou não, para o Tribunal Constitucional o pedido de apreciação da nova lei do tabaco e saber se pode simplesmente proibir o consumidor de ter acesso directo ao preço do produto, entre outras novas medidas. Marcelo, fê-lo com despenalização de posse de drogas para o Constitucional, alteração do regime das associações profissionais, a eutanásia e até a Carta dos Direitos Digitais. Havendo  jurisprudência recente do Tribunal Constitucional que traduz uma preocupação cada vez mais marcada e estrita relativamente à necessidade de maior densificação e determinabilidade de conceitos com reflexos em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias, fica a curiosidade em saber o que decidirá Marcelo: salvar Pizarro ou desfazer as dúvidas que os portugueses, e com razão, levantam sobre estas intromissões, cada vez mais notórias, na sua esfera pessoal.