À medida que as tropas russas mostram ser incapazes de superar a resistência heroica dos ucranianos, os dirigentes do Kremlin ficam cada vez mais nervosos e ultrapassam a propaganda nazi na inglória tentativa de justificar a sua política desumana e cruel na Ucrânia.
No início era o “genocídio”
Uma das razões que levou Vladimir Putin a ordenar a invasão do país vizinho foi o “genocídio” da população russófono do Leste da Ucrânia, acusação que se revelou rapidamente falsa: no lugar de saírem para a rua a fim de saudar o “exército russo libertador”, os que restaram do “genocídio” receberam essas tropas com armas nas mãos e atiraram por terra um dos objectivos do ditador russo que seria ocupar o território ucraniano em poucos dias. Sublinho: foi a parte mais russófona da Ucrânia que aguentou os primeiros ataques e continua a resistir à investida do “libertador”.
Aumentam também as comparações entre o “Ocidente em geral” e a política de Hitler na Alemanha e nos territórios ocupados. Aqui, o enfoque é virado para a “perseguição” da cultura russa e dos russos que vivem fora do seu país.
É verdade que, nalguns países da antiga zona de influência soviética, foram cometidos alguns actos de vandalismo contra símbolos e monumentos a militares russos e soviéticos. Também é verdade que, em Itália, alguém teve a ideia peregrina de exigir o estudo da obra de Fiodor Dostoevski numa universidade italiana e também aconteceu que algumas orquestras se recusaram a tocar obras de compositores russos como a “Abertura Solene de 1812” de Piotr Chaikovskii.
Mas isto são casos muito pontuais e foram rapidamente condenados pela opinião pública ocidental.
Todavia, a propaganda oficial, incentivada por Vladimir Putin e os gângsteres que dirigem a Rússia, compara isso à política nazi dos anos 30 do século XX. O ditador afirma perante as câmaras de televisão: “A famigerada cultura da proibição transformou-se na proibição da cultura, dos anúncios dos concertos apagam os nomes de Chaikovskii, Shostakovitch, Rakhmaninov, proíbem-se os escritores russos e os seus livros. Na última vez que semelhante campanha de massas aconteceu para destruir a literatura incómoda foi feita há quase 90 anos atrás pelos nazis na Alemanha”?
Mas ele não apresentou um exemplo concreto. É o costume, a velha política do “apanha que é ladrão”, pois quantos monumentos, templos, museus e bibliotecas foram bombardeadas e destruídas pelas tropas russas na Ucrânia? Aliás, em muitos museus e bibliotecas ucranianas destruídas estavam obras e livros de autores russos. Isto mostra até que ponto o invasor assassino está preocupado com o tão apregoado “mundo russo”.
Quanto aos desportistas, músicos e intelectuais que foram despedidos ou afastados de organizações culturais ocidentais ou de torneios desportivos internacionais por defenderem a invasão da Ucrânia, considero uma medida acertada, pois trata-se de fazer a apologia de uma guerra criminosa e sangrenta, que não tem qualquer explicação racional.
Agora é o “neo-holocausto”
Se o padrinho diz mata, os gângsteres apressam-se a gritar esfola.
“O dia 21 de Março foi proclamado pela ONU como o Dia Internacional da Luta pela Liquidação da Discriminação Racial. Por muito triste que seja, este tema é mais actual do que nunca”, declarou Tatiana Moskalkova, comissária dos Direitos Humanos da Rússia, acrescentando que “nós observamos em todo o mundo a violação sem precedentes dos direitos dos russos devido à sua nacionalidade. As envergaduras da russofobia são tão inéditas que a este fenómeno se pode chamar um novo neo-holocausto: quando tudo é feito para espezinhar a nossa cultura, as tradições, o homem como tal. Uma desumanização total”.
Esta “Goebbels de saias” poderia preocupar-se com as violações permanentes dos direitos humanos, com as perseguições dos opositores políticos, com a censura total, com as condições desumanas nas prisões, com as torturas praticadas pela polícia no seu país, mas isso são insignificâncias em comparação com a tarefa de salvar o “mundo russo”.
O que antes da invasão da Ucrânia pareciam declarações delirantes de teóricos da extrema-direita mais obscurantista e ortodoxa russa (também no sentido religioso) hoje torna-se o discurso oficial do Kremlin.
Por isso, deixo aqui uma pergunta: onde estão os verdadeiros neonazis que foram um dos motivos para Putin invadir o país vizinho? Alguns dos generais na reserva e analistas políticos da nossa praça dizem, há já uns tempos, que não duvidam onde é que eles estão. Tal como eles, eu também não duvido que eles estão algures, mas não na Ucrânia.