Os grupos jihadistas vão tendo na Europa um terreno fértil de recrutamento. Dos cerca de 3 mil europeus que combatem na Síria e Iraque, sabemos que uma grande parte são emigrantes de origem muçulmana de segunda/terceira geração – e até vamos encaixando isso. Espantamo-nos é com o recrutamento de jovens europeus recém-convertidos, cuja educação principal não partiu do Islão. Mas talvez não devêssemos.
Como explicação afundámo-nos numa espécie de “excepcionalismo violento” muçulmano que, na verdade, não existe. É bem mais simples que isso. Porém, fomos esquecendo – ou pusemos de parte – um conjunto de circunstâncias que dantes levavam ao recrutamento de outras militâncias dissidentes e violentas. É preciso ir para além da narrativa jihadista para perceber o recrutamento. Assim, se equacionarmos diferentes variáveis, vemos que não há nada de novo. Ou seja, à semelhança de outros movimentos políticos radicais, o jihadismo é um movimento essencialmente jovem, que explora o fascínio e a vertigem da violência.
A vertigem da violência motivada por princípios ideológicos esteve sempre bem presente na cultura ocidental – seja por uma questão de má gestão de expectativas, quebra identitária, desintegração social ou psicopatia. Nas últimas décadas foi sendo sublimada por várias formas de dissidência, nomeadamente por activismos políticos que têm na acção armada uma forma de actuação, da extrema-direita à extrema-esquerda (esta última de maior expressão) – basta lembrar o terrorismo das Brigatti Rossi, o Baader Meinhof Gang, Action Directe ou as FP25. Garantia-se assim a possibilidade de passar das palavras aos actos. Pela destruição, puniam-se as representações dos valores Ocidentais – como o capitalismo – pensando acelerar a transformação do mundo e da história. Para um jihadista europeu de educação não-islâmica a diferença não é muita do que aqui se expõe.
O mundo pós-Guerra Fria dificultou a permanência de organizações que reificassem este optimismo trágico. Neste quase vazio esquecemo-nos que a violência política organizada não se erradica: apenas deixou de ter estruturas funcionais que a catalisassem tão bem como nos anos 60, 70 e 80.
Mas hoje o “Estado Islâmico”, e outros grupos jihadistas, surgem como sendo as estruturas que melhor permitem passar das palavras aos actos. Isto é, destilam operacionalmente violência anti-Ocidental. E assim garantem a alteração do rumo de um quotidiano em que a expectativa não corresponde à realidade.
Para os europeus recrutados, o jihadismo pode então ser lido como uma espécie de avatar dos vários movimentos políticos violentos que foram perdendo expressão no mundo pós-Guerra Fria. É nessa orfandade ideológica inconsciente que o “Estado Islâmico” e outros vêm recrutar. Basta ter em conta o trajecto dos jihadistas de nacionalidade portuguesa – dos mais conhecidos mediaticamente, muito poucos têm ascendência islâmica, e quase todos tiveram as suas expectativas de realização defraudadas.
À semelhança de outras ideologias radicais, o jihadismo recruta em locais de exclusão social. Essas franjas de tensão política, outrora ocupadas pelos extremos políticos usuais, estão a ser progressivamente ocupadas por este movimento. E repare-se que a montante nada daqui parte do Corão – mas do facto desses extremos políticos terem adoptado valores da classe média; de haver a presença de populações muçulmanas em áreas que anteriormente eram da classe trabalhadora; e também do facto de que uma das causas do ódio anti-Ocidental estar essencialmente focada nas regiões muçulmanas.
Mais ainda. As sangrentas execuções de reféns no Iraque nada têm de tradição islâmica. O modelo para estes eventos encenados pode ser facilmente encontrado na mise-en-scene das Brigatti Rossi italianas no momento do sequestro e assassinato do ex-primeiro-ministro Aldo Moro. A questão é que ao fetiche da violência se juntou o efeito global dos novos media – trazendo progressivamente o jihadismo ao nosso quotidiano.
Em suma, a razão de pertença a movimentos de libertação de carácter messiânico e transnacional permanece inalterada. Assim como o seu inimigo, o todo-poderoso imperialismo Ocidental. Muda apenas a narrativa ideológica que os enquadra – neste caso o jihadismo. Mas estes movimentos não estão enraizados só no mundo Ocidental ou no Médio Oriente. São o produto da modernidade, do universalismo e da globalização. No fundo, são o sintoma de uma doença da qual pretendem ser a cura.
Professor Universitário; Porta-Voz do OSCOT