Esta semana, descobrimos que estamos na Europa. Tal como Londres, Paris ou Estocolmo, também Lisboa tem os seus bairros periféricos, com populações oriundas de fora da Europa, geralmente empregadas nos serviços urbanos. Também nesses bairros, há gangs decididos a fazer deles feudos, onde a polícia não entre e a lei não exista. E também por cá, quando um morador desses bairros morre em confronto com a polícia, a extrema-esquerda manifesta-se contra o “racismo” e os gangs aproveitam para demarcarem os seus territórios através de um circo de vandalismo e provocação. Em França, as periferias urbanas já incluem os “territórios perdidos da república”, onde a única autoridade é a do passador de droga ou dos fundamentalistas islâmicos. Que vai acontecer em Lisboa?
Segundo a nossa classe política, nada. Lisboa não é Paris. Fica no “país mais seguro do mundo”, no “oásis” do costume. Como se Lisboa estivesse encalhada no tempo do “Pátio das Cantigas”, com cravos à janela e varinas atrevidas. Porque não querem os políticos ver que tudo mudou? Para não “alimentar o medo”, dizem alguns. Mas a alternativa é alimentar a ilusão? A razão é outra: porque receiam que, ao reconhecer as mudanças, tenham de reconhecer também a responsabilidade pelas políticas que lhes deram origem, como as migrações descontroladas com que julgam compensar a atrofia demográfica. Mas nunca estaremos preparados para enfrentar os problemas, incertezas e riscos assim criados se fingirmos que está tudo na mesma.
Como outros debates, também este anda viciado. A extrema-esquerda está desesperada por encontrar nas periferias a nova carne de canhão para a sua luta de classes, agora em versão de guerra racial. Por isso, justifica a violência enquanto “expressão” de descontentamento, como se os gangs representassem os moradores dos bairros, e demoniza a polícia e o que chama “discurso securitário”, como se bastasse extinguir a PSP para Lisboa ficar em paz. Dir-me-ão: ora, é a extrema-esquerda. Pois é, mas pontifica nas universidades e enche a comunicação social. Sobretudo, nem sempre a oligarquia política, a pretexto de resistir ao “populismo”, tenta distanciar-se da sua cartilha. Entre a desordem e a polícia, há assim demasiados oligarcas a permitirem-se poses salomónicas. Felizmente, o governo não receou desta vez tomar partido.
É bom ser claro, porque não há aqui meios termos. Há agentes da polícia menos idóneos ou que cometem erros? Também há médicos menos idóneos e que cometem erros, e nem por isso dizemos que a medicina é o problema e que a solução é fechar clínicas e hospitais. A segurança é a pedra angular da inclusão social, é o que a torna possível. A segurança é como a caridade de S. Paulo: podem, no bairro, instalar serviços, abrir creches e escolas – sem segurança, tudo será em vão. Porque sem segurança, os gangs destruirão o “mobiliário urbano”, vandalizarão as escolas, farão do bairro um gueto, e criarão o ambiente de tensão propício aos incidentes com a polícia. A primeira vítima dos gangs é sempre a população dos bairros onde os gangs prevalecem. A polícia não é a solução, mas sem a polícia não há soluções.
Não podemos eliminar todas as carências das periferias num instante. Mas podemos garantir aos seus moradores a ordem que lhes permita aproveitar as oportunidades e, pelo seu próprio esforço, tornarem-se donos das suas vidas e aumentarem o seu conforto e satisfação. Foi dessa segurança que vieram à procura aqueles que abandonaram países sem o mais precioso dos patrimónios — um Estado de direito. É esse património que temos de partilhar com eles. Por eles, e por nós.