Não faço a menor ideia se os membros do governo da Nigéria têm sentido de humor mas se for esse o caso certamente que um sorriso lhes deve ter aflorado nos lábios quando esta semana reuniram, em Abuja, na Nigéria, com o nosso secretário de Estado do Ambiente e da Energia, João Galamba.

Afinal durante anos e anos chamámos cartas da Nigéria a um esquema de burla em que alguém através de carta, fax ou mail declarava ter uma fortuna que pretendia retirar da Nigéria. Escusado será dizer que para tal propósito o dito milionário que frequentemente se auto-intitulava príncipe precisava da ajuda do destinatário das suas mensagens e que dessa ajuda fazia parte a transferência de determinadas verbas para a conta do nobre benfeitor. O resto é fácil de adivinhar: transferidos os montantes que iriam vá lá saber-se porquê ajudar o príncipe nigeriano a aceder à sua fabulosa fortuna este desaparecia para sempre. Obviamente que não havia ninguém que não condenasse a ingenuidade e a ignorância para não dizer estupidez de todos aqueles que se deixavam enganar pelo esquema das cartas da Nigéria.

Ora como em Ajuba os interlocutores de João Galamba saberiam caso tivessem visionado a entrevista que o secretário de Estado do Ambiente e da Energia deu à CNN dias antes de viajar para a Nigéria, o discurso do governo português sobre o controlo dos custos da energia está ao nível das cartas do príncipe da Nigéria que prometia uma fortuna a quem lhe adiantasse uns trocos.

Para perceber o que levou Galamba a partir com tal presteza para a Nigéria há que recordar que os executivos de António Costa têm criado sucessivos programas de apoio cujo sucesso político reside precisamente no seu fracasso na realidade. O Governo tem contado com a inércia dos portugueses para que aqueles anúncios não passem disso mesmo, anúncios. Ora é o registo que é uma complicação (IVAucher), as condições que nunca estão reunidas (apoio aos inquilinos durante a pandemia) ou as condições que não têm interesse (tarifa social de internet).

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Na verdade se os milhares de portugueses a quem se disse que esses apoios iam chegar tivessem realmente aderido descobririam que tudo não passou de um anúncio e que de modo algum estava previsto que eles tomassem o anúncio a sério. E é esta questão – quantos consumidores vão mudar para o mercado regulado? – que explica que o nervosismo tenha tomado conta do governo a propósito do abastecimento de gás.

O secretário de Estado do Ambiente e da Energia obviamente não promete fortunas como o príncipe nigeriano mas também ele promete o que não tem: João Galamba, como se fosse secretário de Estado num país produtor de gás, não só garantiu aos portugueses que a sua factura do gás não ia subir mas até que ela podia descer caso transferissem a sua factura do mercado liberalizado para o regulado. Desconheço quantas pessoas em Portugal acreditaram nas cartas da Nigéria mas admito que devem ser mais ou menos as mesmas que acreditam que basta mudar do mercado liberalizado para o regulado para não ser afectado pelo aumento do preço do gás natural, apesar de este ter valorizado mais de 100% nos últimos sete meses deste ano.

Como se se tratasse de uma tecnicidade imperscrutável pelos vulgares cidadãos, o secretário de Estado ainda explicou (à CNN não aos interlocutores nigerianos que nesta matéria não precisam de esclarecimentos) que o mercado do gás regulado é abastecido através de contratos de muito longo prazo com a Nigéria, contratos esses que garantem um preço muito abaixo dos actualmente praticados.

Só não disse o secretário de Estado que há problemas com o abastecimento de gás por parte da Nigéria a Portugal. Porquê? Porque parte das cargas de gás nigeriano que deviam ter seguido para Portugal ao abrigo dos tais contratos de longa duração estão a ser desviadas para outros mercados que as pagam por valores muito mais elevados. Tão mais elevados que até compensam as eventuais indemnizações que tenham de dar a Portugal pelo incumprimento dos contratos de longa duração. Daqui se explica que o secretário de Estado do Ambiente e da Energia, pouco depois de ter garantido na televisão que a factura do gás natural se ia manter igual ou até descer para as famílias portuguesas, tenha entrado num avião com destino à Nigéria, certamente fazendo votos para que nesse país ninguém se interesse pela política portuguesa. Afinal, João Galamba viajou de Lisboa para Ajuba para lembrar aos nigerianos que têm de cumprir os contratos que assinaram com , quando o Governo de Portugal de que ele faz parte acabou de rasgar por decreto os contratos que os portugueses do mercado liberalizado tinham firmado com as diferentes operadoras.

Alguém consegue explicar porque não há-de o governo nigeriano, à semelhança do português, suspender o cumprimento de contratos que não considera vantajosos? E depois, daqui por um ano ou um pouco mais, basta-lhe declarar unilateralmente que volta ser tudo como dantes.

Prometer o que não se tem, garantir o que não se pode e fazer o que não se deve tem sido a linha orientadora do Governo português nesta matéria. E já agora também a dos autores das cartas da Nigéria que nos prometiam uma fortuna a troco de quase nada.