Antes de falecer, em 1992, Salgueiro Maia, um dos verdadeiros heróis do 25 de Abril, que soube derrubar o regime e afastar-se para deixar o povo falar e tomar as rédeas do seu destino, numa entrevista televisiva explica como a imagética da revolução começou logo a ser criada no próprio dia. Para além de passagens deliciosas de uma revolução à portuguesa, como descrever um homem com uma perna de presunto para oferecer aos militares, Salgueiro Maia conta que foram distribuídos cravos vermelhos e brancos. Nas palavras do próprio (min. 22), “os fotógrafos, porque naturalmente o vermelho é sinónimo de esquerda e tem um certo enquadramento, começam a valorizar as fotografias dos cravos vermelhos”. O controlo da narrativa, dos símbolos e da mensagem política começou logo no próprio dia. Cunhal, de resto, na sua chegada ao Aeroporto, vindo de Paris, imitou fielmente a chegada de Lenine à estação Finlândia, em 1917, em cima de um tanque com um marinheiro e um tropa ao lado. Estava nos livros. Não era preciso inventar nada.

Em 2021, perdidos os combates políticos e ideológicos, a extrema-esquerda portuguesa, continua a pretender que os cravos são apenas e exclusivamente vermelhos. Os cravos brancos não devem aparecer na fotografia. A rua é deles. De resto, a rua é a única coisa que (ainda) têm. A esquerda comunista do PCP e neo-comunista do BE vale 700 mil votos o que, sendo bastante, não é tanto como a sua influência mediática e política faz crer. Quando vemos a possibilidade de os Verdes alemães chegarem ao poder em Setembro, com uma agenda ambiciosa, percebemos que Portugal precisa urgentemente de uma esquerda europeísta, civilizada, moderna e moderada. Precisa, basicamente, que o Livre, ou um seu homólogo, cresça e tome o lugar de velharias da história como o PCP e o BE.

Vejo continuadamente os lamentos da extrema-esquerda pelas dificuldades de implementação dos “valores de Abril” e pela suposta degenerescência da “revolução”. Posso estar enganado, mas a democratização portuguesa foi um extraordinário sucesso. Não graças à extrema-esquerda, mas apesar desta. Contra as pretensões da extrema-esquerda, que sempre esteve contra a entrada de Portugal no projecto europeu, o Dr. Soares, com a ajuda de homens brilhantes como Medeiros Ferreira, teve a presciência de entender que o caminho de Portugal era a Europa, que nos asseguraria os meios políticos e materiais para a consolidação da democracia e para o desenvolvimento que os Portugueses tanto ansiavam.

Sá Carneiro ajudou quando, em 1979, conseguiu federar a direita para que esta conseguisse chegar ao poder através das urnas, fazendo, assim, a primeira rotação democrática de poder através do voto. Parece feito menor hoje, mas foi difícil de conseguir, especialmente com a necessidade de arregimentar as várias direitas e legitimá-las, passados que estavam apenas meia dúzia de anos do fim do regime autoritário. Felizmente para os democratas, e para desgosto de muitos, claro, os caminhos da Rússia, China ou mesmo da Albânia (!) não foram emulados.

Graças a PS e PSD, todos os indicadores da saúde à educação mostram que Abril foi um extraordinário sucesso. Portugal passou de uma situação de indigência em todos os indicadores e, graças a estes dois partidos, que estiveram no poder desde 1974, conseguiu levantar-se com a ajuda dos amigos europeus. É certo que a democracia portuguesa não é perfeita e que os partidos do centrão têm muitas culpas no bloqueio institucional a que o regime chegou. No entanto, as liberdades, as garantias individuais e o desenvolvimento social possível foram uma conquista perene e preciosa.

P.S.: Marcelo Rebelo de Sousa escolheu Pedro Adão e Silva para presidente da comissão de comemoração dos 50 anos do 25 de Abril. Foi uma escolha feliz. Ao invés de uma mulher ou de um académico ou de uma mulher académica, Marcelo escolheu um surfista que passa música indie na TSF, escreve sobre bola no Record, e fala sobre política na RTP, no Expresso e na TSF. Está mais de acordo com o ar do tempo – pelo menos com o tempo que as elites reinantes querem que faça em Portugal.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR