Desde pelo menos a revisão constitucional de 1997 que a reforma do sistema eleitoral aparece, de tempos a tempos, como a panaceia para os problemas do sistema político português. De acordo com os seus proponentes, a dita reforma ajudaria a mitigar a distância que os eleitores dos políticos e a aumentar a accountability. Ao longo do tempo, as propostas têm-se dividido entre três tipos.

Em primeiro lugar, durante anos, devido à influência de toda uma geração de intelectuais que viveu em Inglaterra nos anos 60 e 70, havia a ideia de que a reforma eleitoral deveria caminhar no sentido da instituição de círculos uninominais. Para além das contingências históricas que levaram à escolha de círculos uninominais no caso inglês, que não se verificam, naturalmente, em Portugal, o efeito desta reforma seria menos linear do que parece. Vários estudos mostram que, neste contexto, apesar deste sistema resultar numa relação mais intensa entre o deputado e os eleitores, é o partido que domina o mercado eleitoral. Para além disso, estes sistemas introduzem problemas de governabilidade, que poderiam trazer, a prazo, (ainda) mais complicações do que benefícios.

Em segundo lugar, existem muitos que advogam a adopção de um sistema misto, tal como existe na Alemanha. Apesar de apelativo, o que sabemos dos sistemas mistos é que, na verdade, os efeitos de contaminação acabam por torná-lo um sistema dominado pelos partidos. Na prática, os partidos colocam os mesmos candidatos nas listas e nos círculos uninominais de modo a maximizarem simultaneamente o apelo dos candidatos e dos partidos. Conhecendo um pouco melhor os efeitos institucionais dos sistemas mistos percebemos que estes não são o melhor dos dois mundos.

Por último, mais recentemente, tem havido um conjunto de propostas e de estudos em favor de um sistema que permitisse ao eleitor fazer um ranking dos deputados, no fundo, mantendo um equilíbrio entre o partido e o candidato. Apesar de ser apelativa, esta proposta envolve o perigo do regresso ao velho caciquismo do século XIX e, acima de tudo, num país com a cultura cívica e níveis de corrupção de Portugal, de termos deputados a utilizar meios, digamos, menos próprios para conseguirem colher benefícios individuais para saírem beneficiados no apoio individual dos eleitores.

Na última edição, o Expresso noticiou que o PSD se encontra a ultimar uma proposta de reforma do sistema eleitoral que, a meu ver, aborda um dos pontos centrais do desequilíbrio na representação política em Portugal: as clivagens regionais entre os partidos e eleitores. A proposta do PSD visa “partir” os grandes círculos eleitorais de Lisboa e do Porto em círculos mais pequenos e, acima de tudo, atribuir mais deputados aos círculos médios. O efeito desta reforma aproximará as condições de representação entre os eleitores de Lisboa e os do interior, fazendo com que exista menos disparidade entre o tamanho dos círculos. Neste momento, os eleitores de Lisboa e do Porto têm à sua disposição um leque múltiplo de partidos, da extrema-esquerda à extrema-direita. Diferentemente, os eleitores de Portalegre, Bragança, ou Beja, para citar apenas alguns exemplos, vivem num sistema bipartidário, estando condenados a que o seu leque de escolhas seja confinado ao PS e ao PSD. A proposta do PSD garantirá que o leque de partidos viáveis, isto é, aqueles que os eleitores sabem que, realisticamente, poderão eleger deputados, tornar-se-á mais homogéneo em todo o país.

Todavia, convém que não sejamos ingénuos acerca dos efeitos que esta proposta trará que, estou certo, são bem do conhecimento do dr. Rio e da sua direcção. Apesar de tentarem vender a reforma como visando a coesão da representação no país, esta reforma tornará muito mais difícil a eleição de partidos pequenos (leia-se, Chega). O leque de partidos viáveis não será de dar a todo o país o leque de escolha do qual Lisboa e Porto hoje desfrutam. Pelo contrário, o leque de escolha estará num ponto de equilíbrio, aumentando para boa parte do país, mas reduzindo-se em Lisboa e no Porto. O resultado final desta proposta trará, ao nível agregado, um resultado pior para todo o país. Apesar da proposta apontar na direcção certa, o seu problema é subrepticiamente apontar o Chega como alvo a abater. A alternativa seria avançar para a perda de deputados em Lisboa e Porto, conjugado com a criação de um círculo nacional de compensação que garantisse a proporcionalidade e a representação das forças políticas mais pequenas. Isto, contudo, seria exigir uma reforma a sério, na qual ninguém, especialmente o PS, está verdadeiramente interessado.

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