Os países que saem de ditaduras necessitam de ajustar contas com o passado, prendendo e julgando actores políticos maiores ou agentes das polícias políticas que oprimiram a população. Nem todos os regimes o fazem, contudo, ou fazem-no apenas alguns anos mais tarde. Portugal encontra-se na situação singular de ter um duplo legado da transição democrática perante o qual tem de ajustar contas, como bem assinalou António Costa Pinto. Por um lado, existe o clássico legado da ditadura, que nos últimos anos tem sido reavivado pelo lado do colonialismo e do papel de Portugal em África e nas Guerras Coloniais. Por outro lado, Portugal tem um legado fortíssimo da revolução de 1974-1975 que, como todas, criou ganhadores e perdedores.

A morte de Otelo Saraiva de Carvalho coloca, mais uma vez, o país no dilema sobre como lidar com o passado. Todos os regimes políticos precisam de construir narrativas sobre a sua história, entronizar heróis e escolher bodes expiatórios. Portugal não é excepção e Otelo tem, sem quaisquer dúvidas, um papel central História de Portugal.

Antes de continuar, importa fazer uma distinção conceptual, que é hoje comummente aceite na literatura internacional de ciência política, sobre a natureza da transição Portuguesa. O 25 de Abril não foi uma revolução. Foi, isso sim, um pronunciamento militar que depôs a mais longa ditadura da Europa Ocidental e que abriu caminho a uma crise do aparelho de Estado que, criando um vazio de poder, resultou numa dinâmica fluída e revolucionária em que partidos, grupos organizados e inorgânicos da extrema-esquerda à extrema-direita aproveitaram para actuar. A dinâmica revolucionária acelerou fortemente no pós-28 de Setembro e, especialmente, depois do 11 de Março. Foram cometidos excessos. A extrema-direita, por exemplo, atacou sedes do PCP no Norte e engendrou a morte do Padre Max em Trás-os-Montes. A extrema-esquerda atacou o congresso do CDS no Porto e orquestrou o cerco à Constituinte, que leva que autores internacionais de referência como Juan J. Linz e Alfred Stepan consideram que a feitura da Constituição Portuguesa não beneficiou de totais condições de liberdade para tomar as decisões que entendesse.

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