O historiador inglês Eric Hobsbawn nomeou como breve o século XX, marcando o seu início em 1914, com a eclosão da 1ª Guerra Mundial, e o seu final em 1991, com a implosão da União Soviética. No caso da economia portuguesa, não sabemos quando e como acabará o século XXI, mas sabemos que começou efetivamente em 2001. Neste ano, a economia portuguesa entrou num novo regime de baixo crescimento e divergência em relação à UE-27, interrompendo mais de quatro décadas de forte crescimento e convergência.
A análise dos dados do PIB per capita e da produtividade do trabalho no século XXI são uma desilusão. Com base nesses dados, a maioria dos analistas continua a caracterizar a economia portuguesa no século XXI como ‘a longa estagnação’. De facto, entre 2001 e 2022, o PIB português cresceu apenas 16% em termos reais. No entanto, os valores médios do século XXI escondem dois períodos muito distintos. Num primeiro período, entre 2001 e 2013, a economia portuguesa viveu um período de fraco crescimento, registando uma divergência em relação ao PIB per capita da UE-27. Esse período foi marcado por três crises, que no seu conjunto duraram quase cinco anos. Em 2013, o PIB era ligeiramente inferior (-1%) ao gerado em 2001.
Em 2013, no seguimento do exigente processo de ajustamento orçamental desencadeado pela crise da dívida de 2010/2011, a economia portuguesa iniciou uma nova fase. O PIB voltou a crescer e teve início o mais longo período de expansão do século XXI, que só seria interrompido, nos dois primeiros trimestres de 2020, pela breve recessão provocada pela pandemia Covid-19. Entre 2013 e 2022, o PIB português cresceu 18% em termos reais. Apesar de não ser um resultado extraordinário, é notória a diferença entre os dois períodos do século XXI. Os anos 2001-2013 foram um tempo perdido pela economia portuguesa. O período 2013-2022 foi um tempo de recuperação.
Distinguir estes dois períodos é essencial para compreendermos o desempenho da economia portuguesa no século XXI. Sobre o primeiro período já muito foi escrito e sugiro a leitura do meu livro Crise e Castigo, escrito em coautoria com os meus colegas Luís Aguiar-Conraria e Pedro Bação. Apesar de algumas divergências na interpretação das causas desse tempo perdido pela economia portuguesa, é hoje em grande medida consensual que resultou de uma conjugação de choques externos e de erros de política económica. A divergência na interpretação está essencialmente na importância que os diferentes analistas dão a cada uma daquelas componentes. Na minha análise, os erros de política económica, acumulados desde a década de 90, são a principal causa do falhanço da economia portuguesa no período 2001-2013. Os decisores de política económica não perceberam as mudanças do mundo e não usaram os instrumentos que tinham ao seu dispor para tornar a economia portuguesa mais competitiva. Nos anos 1990, registou-se um extraordinário crescimento do comércio internacional e a globalização estendeu-se a praticamente todo o mundo, incluindo a China e aos países do Leste europeu. Portugal, uma pequena economia aberta, que só poderia crescer aumentando as exportações, não soube aproveitar esta vaga. Entre 1990 e 2010, o peso das exportações no PIB manteve-se em torno dos 30%. Esta incapacidade de aproveitar a globalização é uma das faces visíveis do tempo perdido pela economia portuguesa no século XXI. As empresas dependiam essencialmente da procura interna e do ciclo económico europeu.
O tempo de recuperação, que caracteriza o período 2013-2022, foi precisamente marcado pelo aumento do peso das exportações de bens e serviços e pela correção dos desequilíbrios da balança comercial. O excelente resultado das exportações, que em 2022 ultrapassaram os 50% do PIB, foi transversal a todos os sectores, do turismo, aos vinhos, ao têxtil, vestuário e calçado ou à metalomecânica. Assim, o crescimento económico desde 2013 está associado a uma mudança estrutural da economia.
Uma consequência do aumento do peso das exportações no PIB é uma menor dependência das empresas do Estado. Vários comentadores têm chamado a atenção para a convivência do bom desempenho da economia com a instabilidade governativa dos últimos anos, que atingiu um nível ‘deplorável’ nas últimas semanas. Talvez essa seja mais uma vantagem do forte crescimento das exportações. Como os dados que apresentei acima ilustram, os ciclos económicos dependem de múltiplos fatores e não apenas dos governos. Felizmente, é possível ter alguma boa economia sem um governo efetivamente governar.