Nos dias de hoje, estamos todos ligados às redes. Em tempo real, podemos falar à distância com quem quisermos. Podemos ver-nos e perscrutar os lugares uns dos outros. Os ecrãs fazem parte do nosso dia-a-dia, tendo invadido os gestos diários, sendo quase impossível passar um dia sem olhar para o écran do telemóvel.

Qual a noção de privacidade neste imediatismo de uma espécie de teletransporte? Onde se tecem os limites da intrusividade na vida uns dos outros? Que comportamentos são estes, “normais” das redes sociais,  onde uns se expõem constantemente, sem os contornos da preservação da sua própria intimidade, e outros expiam sem pudor?

O telefone como extensão do corpo, é o meio de inteira disponibilidade, e quando se procura alguém, ligando ou enviando mensagem, espera-se resposta rápida.   Se tal não acontece, vai logo ver-se se o outro lado está ou esteve recentemente online, crispando o humor caso o outro esteve online e não deu resposta imediata. Cobra-se a não resposta ou remói-se para dentro. Controlam-se as vidas dos outros pela vigilância dos seus estados online! Que acrescenta à  satisfação imediata estar a par da vida dos outros? Um controle desmedido que confunde os limites da fronteira da privacidade e dos tempos de cada um.

Porquê que andar com um telemóvel faz com que se espere inteira disponibilidade do outro lado? Ter telemóvel, é sinal de estar sempre contactável? Porque há-de levar-se a mal se o outro não atender ou responder logo? Seriam capazes de aguantar o tempo de espera à resposta de uma carta as pessoas de hoje?

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A necessidade de controlo, a insegurança do valor que se possui aos olho dos outros, pode influenciar este comportamento ansioso. Esperar a resposta imediata é uma espécie de validação da importância que se tem. Daí, o amor próprio ferido caso se sinta pendurado na falta de uma resposta. Em simultâneo, a expectativa que o outro esteja sempre disponível de igual modo. E, com base neste pressuposto, confundem-se os limites dos tempos singulares de cada um, bem como a noção de intimidade.

O último estudo divulgado pela FCT, no final do passado mês de janeiro, alertou para a dependência do whatsapp, a rede móvel mais utilizada pelos inquiridos (90%). A aplicação que busca pela interacção instantânea. Curioso o nome atribuído ao projecto dessa investigação:  “scroll, logo existo”. De facto, a substituição da palavra penso  por scroll, adultera o pensamento cartesiano, no sentido em que em vez de partirmos da dúvida para alcançar a verdade, como defendia Descartes, parece, que consideramos verdade aquilo que via scroll nos chega! A ideia de questionamento que nos leva a observar, a relacionar com a experiência empírica, a reinterpretar a ambiguidade das múltiplas perspectivas que temos em conta no quadro de um pensamento reflexivo, parecem anular-se no dito imediatismo da relação com os ecrãs, que com a sua rapidez respondem aparentemente a tudo e não aprofundam nada.

Ainda no estudo citado, foram identificadas características como perda da noção de tempo e sinais de nomofobia, sentimento de falta quando a pessoa não está junto do telemóvel,  com expressão significativa de um sinal de dependência.  Onde  para a capacidade da solitute nestes dias de hoje? Onde para a serenidade do compasso de espera necessário ao desenvolvimento de relações e ligações mais profundas?

Sem diabolizar a relação com ecrãs, necessária sim, não será no entanto importante repensar o seu nível de intrusividade e dominância nas nossas vidas e estar atento a um risco de alheamento social e real em virtude da actividade da vida digital?

anaeduardoribeiro@sapo.pt