Conhecido como pai do IVA, José Xavier de Basto, professor jubilado na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, escreve um artigo muito interessante no Expresso com o título “Os contribuintes jovens e os outros” (só para assinantes). Ali percebemos as várias dimensões dos problemas gerados pela proposta de IRS Jovem do Governo liderado por Luís Montenegro, nomeadamente nas questões de igualdade, mas especialmente na sua provável inconstitucionalidade.
De tal maneira que Xavier de Basto promete “impugnar judicialmente” a liquidação de IRS que vai fazer, baseada na “tabela de taxas dos ‘velhos’, com fundamento em inconstitucionalidade material, por ofensa ao princípio da igualdade estabelecido no artigo 13.º da Constituição”.
Ou seja, se não tivermos logo problemas na concretização dessa medida por via da sua fiscalização prévia no Tribunal Constitucional, veremos mais tarde o Estado eventualmente condenado a ressarcir os “velhos”, pelo imposto a mais indevidamente pago. Podem ser apenas os herdeiros a receber esse dinheiro no caso dos mais velhos, como diz Xavier de Basto, dada a lentidão da justiça, mas virá com juros.
Com um quadro destes, o IRS Jovem de Montenegro, se for aprovado e falhar o mecanismo de prevenção de inconstitucionalidade, não arrisca apenas acabar com o equilíbrio orçamental em 2026 – o Conselho das Finanças Públicas antecipa um défice de 0,2% do PIB por efeito dessa medida, com a consequente redução mais lenta da dívida. Além de ameaçar o saldo orçamental, cria responsabilidades contingentes caso boa parte dos contribuintes siga o exemplo de Xavier Basto. (Sim, é verdade que o tempo que levam os tribunais fiscais atira esse problema para líderes partidários que se calhar ainda não conhecemos – o que mostra igualmente como os governos podem ser irresponsáveis também por causa do mau funcionamento dos tribunais).
Os problemas financeiros que a medida pode colocar e até, se quisermos, as questões de igualdade e constitucionalidade poderiam ser justificadas se estivéssemos perante uma iniciativa que promovesse a eficiência. Estaríamos perante aquele dilema clássico da economia, em que medidas que promovem a eficiência criam desigualdade. Mas não é o caso como aliás identificou o FMI.
“As taxas preferenciais do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) baseadas na idade conduzirão a uma perda considerável de receita, sendo incerta a sua eficácia na limitação da emigração dos jovens”, escreveu o Fundo Monetário Internacional (FMI) logo em Julho deste ano, quando foi divulgada a análise à economia portuguesa conhecida como Artigo 4.º. Ou seja, a medida não tem qualquer garantia de eficiência no combate à emigração, e tira do Estado mil milhões de euros que poderiam ser mais bem aplicados, de forma tanto mais eficiente quanto mais equitativa.
Mas entremos agora no quotidiano, deixando estas questões que podem parecer abstractas. Entremos numa empresa. Vamos imaginar que a medida é aprovada e estamos em 2025. Dois trabalhadores de uma empresa, um com 34 anos e outro com 36 anos, que em Dezembro de 2024 ganhavam exactamente o mesmo vão levar para casa um salário muito diferente em Janeiro de 2025, diferença que será tanto maior quanto mais alto for o rendimento bruto – na proposta do Governo, o IRS Jovem aplica-se até ao oitavo escalão que corresponde ao rendimento colectável máximo de 80 mil euros.
Olhemos para as simulações publicadas pelo jornal Público, realizadas pela PwC. Um casal com os dois a trabalhar com um rendimento de 56 mil euros por ano paga de IRS 2197 euros se tiver menos de 35 anos e 8402 se tiver mais de 35 anos. Ou seja, os mais velhos vão perceber que estão a pagar quase quatro vezes mais de IRS (3,8 vezes). E o seu colega mais novo dois anos levará para casa mais 13% de salário, quando no fim do ano de 2024 ganham basicamente o mesmo.
Quanto mais elevado for o rendimento maior é a diferença no salário líquido entre o mais novo (nem que seja um ano) e o mais velho com mais de 35 anos, chegando a atingir os 30%. Claro que estas simulações têm um conjunto de pressupostos e não incluem os descontos para a segurança social, mas dão-nos uma ideia da dimensão da diferença, que é muito significativa.
Dentro de uma empresa esta medida pode ser muito desestabilizadora. Como vão reagir duas pessoas que fazem exactamente o mesmo, ganham o mesmo e de repente só porque uma tem 36 anos e outra 34 vão levar para casa rendimentos muito diferentes? Os gestores só podem estar preocupados. E o Governo também, ou será que considera que o número de eleitores com menos de 35 anos é maior do que os contribuintes “velhos”?
Uma medida que gera desigualdade facilmente percebida no local de trabalho, que tem problemas constitucionais, que é cara e ameaça o equilíbrio das contas públicas, criando até responsabilidades futuras por via da litigância, e não dá qualquer garantia de prender os jovens em Portugal só pode (e deve) ser abandonada. Alguém não pensou bem nas consequências de criar um IRS para jovens e outro para velhos. Não desistir de uma iniciativa com tantos problemas será pura teimosia. Se Luís Montenegro não desistir esperemos que exista bom senso no Parlamento.