A incoerência costuma ser mal vista, por razões que não custam perceber. Gera imprevisibilidade e, por conseguinte, inspira falta de confiança. Ora, se há coisa de que nós precisamos como de pão para a boca é de uma boa dose de confiança nos outros. Não em todos, é claro, nem em idêntico grau. Mas lá vamos precisando, nesta vida arriscada, de confiar desesperadamente em certas pessoas e há casos – o amor é, claro, um deles – em que a perda de confiança provoca uma espécie de terramoto que nos deixa literalmente desorientados. Não sabemos o que está à esquerda e à direita, à frente e atrás, em baixo e em cima, o que é quente e frio ou seco e húmido. Deixamos, numa palavra, de conseguir pensar.
Há poetas que nos merecem gratidão eterna por nos terem dado imagens sensíveis disto e da flutuação da alma daí resultante. Sá de Miranda é indiscutivelmente um deles. E os romances de Eça estão cheios de descrições estupendas de estados de espírito afins, sobretudo no momento em que os maridos descobrem que as suas senhoras se divertem com outros. “Que fazer?”, perguntou-se um dia um revolucionário particularmente desembaraçado. “Que fazer?”, perguntam-se vezes sem conta, nos livros de Eça, maridos embaraçados e aturdidos. Podia-se fazer uma antologia eloquente dessas passagens que bastariam para provar abundantemente o seu génio.
Mas a verdade é que temos de nos habituar a isso e a muito mais. Além de que há casos em que nem se pode sequer falar de perda de confiança propriamente dita. Dito de outra maneira: há casos em que, mesmo sem sermos desconfiados, temos obrigação de ir preparando a futura desilusão, porque sabemos, ou devíamos saber, antecipadamente que a legítima expectativa não será satisfeita. Já que ando em maré de citar escritores, Alexandre O’Neill, que nos percebeu tão bem, vem logo à cabeça:
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