1 Costuma-se dizer que um novo Governo tem direito a 100 dias de estado de graça — 100 dias em que a opinião pública e a comunicação social são especialmente benevolentes com o novo primeiro-ministro. Sejamos francos: Luís Montenegro não vai ter direito nem a uma semana desse estado de graça.

A vitória tangente da AD, o cumprimento da estratégia do “não é não” ao Chega — o respeito pela palavra política dada aos eleitores não é uma coisa de somenos, apesar dos comentadores groupies do habilidoso António Costa desvalorizarem isso — e um Parlamento fragmentado em nove partidos parlamentares fazem, e continuarão a fazer, com que o combate político seja diário e muito duro. Seja por iniciativa do primeiro-ministro e do seu Governo, seja por ação da oposição parlamentar.

Além desse combate político intenso, e depois da derrocada de uma maioria absoluta socialista recheada de casos e escândalos que se tornou inoperante na ação política, exige-se ao novo Executivo  uma renovada energia para enfrentar os velhos e os novos problemas do país mas também uma contínua mensagem de esperança.

2 É por esta palavra “esperança” que quero começar a analisar o discurso de tomada de posse de Luís Montenegro. Tendo eu defendido, e continuo a defender, o essencial da governação de Pedro Passos Coelho, também critiquei regularmente o facto de a comunicação política de Passos não conter uma mensagem de esperança e de um futuro melhor.

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Não basta dizer que o excedente orçamental — e a ilusão dos “cofres cheios”, à qual já regressarei mais à frente — não significa que estamos ricos. Não basta dizer que não há dinheiro para satisfazer as reivindicações de todas as corporações. É preciso equilibrar isso com um horizonte de “esperança” e uma mensagem sustentada de um “futuro” melhor.

É, por isso, de enaltecer que Montenegro tenha percebido esse erro e queira confiar “capacidade das pessoas, na capacidade da administração pública, na capacidade das empresas e na capacidade das instituições” para construir um país mais próspero e sustentável.

Daí a importância da defesa da implementação de reformas estruturais feita pelo primeiro-ministro — para mudar o país e para melhorar as condições de vida dos portugueses, e não para fazer “o mais fácil”.

Essa ideia é importante por duas razões:

  • porque marca logo à partida um contraste claro com António Costa — que detestava a expressão e sempre apostou numa governação à vista;
  • e porque anuncia uma predisposição de ‘ir à luta’ no Parlamento — o tal “Governo que não está aqui de turno” —, lutando, em primeiro lugar, pela viabilização do Programa de Governo e, posteriormente, pela execução das ideias-chave do novo Executivo.

Este último sinal é importante porque vai mostrar um Governo pro-ativo no Parlamento que quer reformar o país para melhorar as condições de vida dos portugueses, para aumentar o seu poder de compra e tornar a nossa economia mais competitiva no quadro da União Europeia.

Dito isto, as “metas” e “objetivos” a que o primeiro-ministro se propõe têm de ser convertidos em “resultados” no mais curto de espaço de tempo possível. Por três razões essenciais:

  • Para quebrar rapidamente a ideia generalizada de que estamos perante um Executivo que não vai durar mais do que seis meses;
  • Para preparar terreno para um vitória nas eleições europeias — que pode dar importante um balão de oxigénio ao Governo da AD;
  • E para forçar o PS e o Chega a negociarem as propostas do Governo no Parlamento, sendo confrontados com as suas responsabilidades políticas em relação à estabilidade política.

3 E aqui chegados há metas e objetivos que têm de ser sinalizados e cumpridos o mais rapidamente possível. Repito: o novo Governo não terá estado de graça e tem de mostrar resultados nas próximas semanas, de preferência ainda este mês de abril. Sem ingenuidades e sem ilusões.

Baixar os impostos deve ser a primeira medida que deve ser sinalizada pelo novo Executivo. Não foi por acaso que as promessas fiscais foram o primeiro grupo temático de propostas desenvolvidas em pormenor por Luís Montenegro. E neste campo, o Governo, nomeadamente o ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, tem dois instrumentos à sua mão e em dois tempos:

  • No muito curto prazo: pode alterar as tabelas de retenção de IRS para aumentar o salário líquido dos portugueses;
  • A curto/médio prazo: criar um grupo de trabalho para apresentar em 30/40 dias uma proposta preliminar de reforma fiscal em sede de IRS, de IRC, de IMT, entre outros impostos, que será desenvolvida posteriormente até à apresentação da proposta de Orçamento de Estado.

Como disse Luís Montenegro, baixar os impostos é uma “medida de política económica e justiça social” que pode promover um aumento de poder de compra das famílias e aumento da competitividade das empresas e da economia, sendo igualmente fundamental que o Governo da AD quebre uma ideia antiga de que a direita promete choques fiscais que nunca cumpre quando chega ao Governo.

No campo das medidas urgentes, é fundamental que Margarida Blasco, ministra da Administração Interna, consiga encontrar soluções para os polícias da PSP e da GNR que reivindicam melhores condições salariais, nomeadamente uma equiparação ao subsídio de risco que foi atribuído à Polícia Judiciária no final de 2023 pelo Governo de António Costa.

A ilusão dos “cofres cheios” não significa que todas as reivindicações sejam atendidas mas é urgente a pacificação das polícias. O mesmo se aplicando à cada vez maior contestação dos militares.

Mais fácil de resolver será a questão das reivindicações dos oficiais de justiça. Desde logo, porque as reivindicações são mais fáceis de acomodar em termos orçamentais e porque o problema é mais urgente porque os oficiais de justiça estão em greve desde 2023 — com graves prejuízos para o funcionamento dos tribunais e do Ministério Público.

Acresce que a inabilidade e a incompetência da ex-ministra Catarina Sarmento e Castro — que nem sequer se reunia com os sindicatos dos oficiais de justiça — impediram a resolução do problema. Logo, se a nova ministra Rita Júdice conseguir resolver este problema a breve trecho, é mais um ponto de contraste que se marca face ao anterior Executivo.

Apresentar o plano de emergência para a saúde até ao dia 2 de junho, encontrar soluções para o problema das carreiras dos professores e implementar as promessas eleitorais relacionadas com os pensionistas — são três dossiês que também terão de ter sinais importantes até às eleições europeias.

4 Há uma certa ingenuidade política que tem marcado os governos do centro-direita desde 2002. Enquanto António Guterres não se cansou de culpar e de apontar o dedo aos governos de Cavaco Silva, enquanto José Sócrates levou seis anos a falar no discurso da ‘tanga’ de Durão Barroso e António Costa culpou Pedro Passos “Diabo” Coelho por tudo e por nada durante oito anos, o PSD e o CDS foram uma espécie de fofinhos para o PS em 2002 e em 2011.

O PSD e o CDS costumam usar “punhos de renda” para fazer oposição ao PS e para combater politicamente os socialistas quando chegam ao Governo. Isso tem de acabar. Por uma razão: os socialistas não têm qualquer pena do centro-direita quando chegam ao Governo. E a mesma reciprocidade deve ser aplicada pelo PSD ou pelo CDS. Sem punhos de renda.

E tudo por uma razão: os portugueses escolheram mudar de vida no dia 10 de março. Escolheram a AD para governar o país, remeteram o PS ao papel de líder da oposição com menos 42 deputados e com cerca de menos 500 mil votos e decidiram reforçar o Chega com 42 deputados e com mais 896 mil votos.

Ou seja, o espaço do centro-direita e da direita radical tem mais deputados do que a maioria absoluta do Parlamento e o espaço do centro-esquerda e da esquerda radical não conseguem repetir a geringonça de 2015. Logo, o Governo de Luís Montenegro só consegue ser derrubado com uma coligação negativa entre o PS, o PCP, o Bloco e o Chega.

Daí que faça sentido que a AD confronte o PS de Pedro Nuno Santos e o Chega de André Ventura com as suas responsabilidades políticas, assumindo quer quer trabalhar e quer dialogar com todas as forças parlamentares.

5 A estratégia de Luís Montenegro de iniciar esse diálogo parlamentar pelo tema de combate à corrupção é uma decisão inteligente em termos de estratégia política mas também em termos de procura de um efetivo consenso em torno de medidas concretas.

Em primeiro lugar, porque chama a jogo todos os partidos sobre um tema que tem sido praticamente monopolizado em termos de perceção pública pelo Chega — e com grande sucesso porque é um tema que interessa às pessoas (basta ver aqui e aqui, entre muitos outros exemplos) e porque os partidos moderados estavam ‘desaparecidos em combate’ sobre esse tema até às legislativas de março de 2024.

Por outro lado, isso permite esvaziar a importância do Chega junto dos eleitores que se preocupam com esse tema.

Acrescente-se igualmente que, ao contrário do que muitos comentadores disseram esta terça-feira, o combate à corrupção não é um tema que apenas interesse ao Chega. Basta ver todos os programas eleitorais para facilmente percebermos que todos os partidos têm pelo menos uma secção dedicada a várias soluções para melhorarmos o combate à corrupção.

É verdade que a AD tem um programa eleitoral ambicioso nessa área da Justiça com medidas como o alargamento do direito premial ao crime económico, um nova proposta do crime para o enriquecimento ilícito, criar uma nova entidade que reúna as competências da Entidade da Transparência e do Mecanismo Nacional de Anticorrupção, entre outras medidas.

Mas partidos como o Livre, o PS, o PAN, Bloco de Esquerda, o PCP e até a Iniciativa Liberal, têm medidas concretas relevantes. Por exemplo, o Livre defende a criação de “tribunais especializados” para julgar casos de corrupção e criminalidade económico-financeira, a Iniciativa Liberal quer o fim do efeito suspensivo dos recursos para o Tribunal Constitucional e, juntamente com o PCP, quer repensar a fase de instrução criminal.

Portanto, e entre muitos outros exemplos, o tema do combate à corrupção está longe de ser um tema que interesse ao Chega. Com o diálogo parlamentar proposto pelo Governo, este é um tema que pode ser uma oportunidade para chegarem a consensos que interessam aos portugueses.

6 À hora a que escrevo este artigo de opinião, ainda não é pública a justificação que Pedro Nuno Santos deu para faltar à tomada de posse do novo Governo da República. Partindo do princípio de que não existiu nenhum evento da vida particular que o tenha impedido de estar presente, é muito estranho que Nuno Santos não tenha estado presente.

Em primeiro lugar, demonstra ‘mau-perder’ de Pedro Nuno Santos e uma enorme falta de espírito democrático da parte do líder da oposição. Por outro lado, viola uma espécie de regra não escrita de o vencido estar presente no momento em que vencedor toma posse. É um respeito democrático que é devido ao primeiro-ministro.

Acrescente-se que o PCP não costuma estar presente — só o fez em 2015, e de forma excecional, para assistir à tomada de posse do Governo de António Costa — e que o Bloco de Esquerda mandou dizer que, “tal como aconteceu no passado, não estará representado na tomada de posse de um Governo de direita”.

Como se vê, só boas companhias para Pedro Nuno Santos. Entre aqueles dois partidos de extrema-esquerda — em que um não acredita na democracia ocidental e outro quer criar uma espécie de pensamento único ideológico que é admissível em democracia — venha o diabo e escolha.

E depois não se diga, como é costume ouvir nos espaços de opinião dos media, que os radicais só existem à direita. Não. Existe em Portugal extrema-esquerda tão anti-democrática quanto a extrema-direita. São as duas faces da mesma moeda: a moeda da intolerância.

Texto alterado às 8h59