A nova lei dos impedimentos dos juízes só entrou em vigor na segunda quinzena de Março, perante um raro coro unânime de críticas dos magistrados judiciais, mas será revogada nas próximas semanas. O primeiro passo foi dado esta quinta-feira pelo Conselho de Ministros com a aprovação de uma proposta de lei que, além da revogação de grande parte dos impedimentos que foram aprovados pelo Parlamento em novembro de 2021, também deverá repor um limite no número de testemunhas que as defesa poderão apresentar em julgamento.

Pormenor importante: a lei aprovada em novembro de 2021 foi proposta pelo PS em conjunto com o PSD.

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A proposta de lei, que inclui igualmente a revogação de outras medidas igualmente contestadas pelos juízes e pelos magistrados do Ministério Público, seguirá agora para a Assembleia da República para discussão e provável aprovação pela maioria absoluta do PS. E é um sinal claro de diálogo da nova ministra Catarina Sarmento e Castro e de promoção de consensos com o poder judicial — que através do conselheiro Henrique Araújo, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, criticou duramente as alterações aprovadas em novembro pelo Parlamento. O mesmo fez a Associação Sindical de Juízes que, tal como Araújo, tinha apelado à “correção urgente” da nova lei.

O que está em causa?

Tudo começou quando o PS e o PSD apresentaram a 9 de novembro de 2021 uma proposta de alteração do pacote anticorrupção apresentado pelo Governo que foi aprovada por unanimidade. O problema é bancada socialista, nomeadamente a deputada Claúdia Santos, terá agido ‘nas costas’ da ministra Francisca Van Dunem, seguindo a proposta original da deputada Mónica Quintela.

Assim, foi aprovado um alargamento muito significativo dos impedimentos dos juízes, passando-se de seis situações concretas impediam um juiz de participar num julgamento para mais de 30 atos processuais que podiam gerar impedimentos — e alargando-se os mesmos impedimentos à fase de instrução criminal.

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Por exemplo, dos mais de 30 atos processuais que podem gerar impedimento destacam-se atos tão banais quanto a “tomada de conhecimento e abertura de correspondência apreendida”, a decisão sobre a “constituição de assistente” ou a “decisão sobre a sujeição do inquérito a segredo de justiça”. Muitos desses atos, refira-se, podem ser tomados por juízes de instrução que estejam de turno ou em regime de substituição. Daí os alertas que o presidente do STJ, o Conselho Superior da Magistratura e a Associação Sindical de Juízes (AJSP) fizeram sobre as novas regras “simplesmente absurdas” e o caos que geraria em termos de gestão dos tribunais.

Por exemplo, e tal como a ASJP alertou num parecer que o Observador revelou, só os tribunais maiores em Lisboa e no Porto é que teriam juízes em número suficiente para cumprir a lei. Além disso, haveria sempre juízes que se poderiam declarar impedidos e outros que não. O Observador revelou uma decisão judicial do Tribunal da Comarca de Ponta Delgada em que o juiz de instrução criminal não só recusou o impedimento, como declarou a nova lei inconstitucional.

Como deverá ficar a nova lei

O comunicado do Conselho de Ministros não especifica nenhum dos impedimentos que serão revistos. No texto lê-se apenas que deverão alteradas “algumas das alterações recentemente introduzidas ao Código de Processo Penal”, sendo que o Ministério da Justiça também não quis desenvolver ao Observador o conteúdo específico do que foi aprovado.

Ao que o Observador apurou, a proposta de lei não será muito diferente da proposta de revisão que o Conselho Superior da Magistratura enviou para o Governo, no seguimentos dos contactos estabelecidos entre a ministra Catarina Sarmento e Castro e o conselheiro Henrique Araújo.

Os juízes propuseram que os impedimentos para a fase de inquérito e para a fase de julgamento ficassem restringidas apenas a alguns pontos. Por exemplo, quando um juiz de instrução impõe uma medida de coação agravada, estipuladas entre os artigos 200.º e 202.º do Código de Processo Penal, deve ficar impedido de participar na fase de instrução criminal.

Porquê? Porque tais medidas de coação podem levar à prisão preventiva ou à restrição de outros direitos ou liberdades dos arguidos que só podem ser aplicadas com fortes indícios em fase de inquérito, logo obrigam a um juízo de valor do magistrado sobre os factos indiciários. Daí que se justifique que ele fique impedido para preservar a independência do juiz que dirigirá a fase de instrução de criminal.

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O juiz de instrução que também tenha recusado o arquivamento dos autos em caso de dispensa de pena, suspensão provisória ou de decisão sumaríssima não poderá dirigir a instrução criminal.

Já os juízes de julgamento ou da fase de recurso, e além das medidas descritas no parágrafo anterior, também ficarão impedidos se tiverem intervido nos seguintes atos processuais: aplicado medida de coacção agravada, presidido a debate instrutório e participado em julgamento anterior.

O Governo acolheu igualmente as críticas que os juízes fizeram à eliminação do número de testemunhas das defesas — o número continuará a ser igual ao da acusação — e à composição da conferência nos tribunais de recurso. As alterações aprovadas no Parlamento obrigavam apenas à intervenção de um juiz adjunto o que, em caso de reclamação, poderiam obrigar à participação obrigatória dos presidentes das secções nas conferências — e não apenas em caso de empate entre os dois adjuntos.

Associação Sindical dos Juízes satisfeita com “rápida aprovação”

A associação liderada pelo desembargador Manuel Ramos Soares ficou satisfeita com a “rápida aprovação” da proposta de lei. Na semana passada, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses tinha apelado a uma “correção urgente” — o que foi atendido.

“É essencial que a Assembleia de República agora agende a discussão e aprovação da proposta [de lei] com a máxima urgência, por forma a minimizar, na medida do possível, os efeitos desastrosos das alterações aprovadas na organização e funcionamento do sistema de justiça”, lê-se numa declaração escrita enviada à Lusa pelo desembargador Manuel Ramos Soares.

Soares já tinha afirmado que as alterações aprovadas pelo Parlamento em novembro, apesar de fazerem parte do pacote anticorrupção, “nada têm a ver com as políticas de combate à corrupção e não cumprem, sequer, o objetivo de tornar o processo penal mais célere”.