O Tiago tem 41 anos, família, filhos e amigos! O Tiago é meu colega, meu amigo, entramos juntos na empresa, começamos a formação e acabamos no mesmo dia! Iniciamos a primeira carreira a solo no mesmo dia! O Tiago nunca fez mal a uma mosca! Ontem a 1h20 da manhã atacaram o Tiago enquanto acabava a última carreira para ir para casa! Tudo indica ter sido um ataque planeado ao detalhe visto que aquela é a última carreira feita para a Cidade Nova. Na última paragem da carreira, a paragem terminal. Um grupo de 9 pessoas apareceu de todo o lado e aproveitaram que o Tiago estava com a janela do motorista aberta e lançaram lhe um cocktail molotov que aterrou diretamente no seu colo pegando fogo imediatamente ao corpo do Tiago! O Tiago embora estável continua a lutar pela vida no hospital! O Tiago saiu do autocarro em chamas, aos gritos, desesperado! Os cobardes que o atacaram de cara tapada fugiram deixando o Tiago à sua sorte (…)” — Esta é a descrição mais precisa sobre o homem que nas notícia tem sido identificado como “o motorista do autocarro incendiado”, “o trabalhador da Carris”. Não tem nome. Não tem rosto. E na verdade quase não teve destaque nas notícias. Este texto em que finalmente teve direito a nome próprio foi escrito por alguém que se apresenta como seu colega no grupo do facebook “Passageiros da Carris Metropolitana”. Maior anonimato cai sobre os passageiros esfaqueados. Quem são? Quem os esfaqueou?… Nada.

“O motorista do autocarro incendiado”, “os passageiros esfaqueados”, tal como os donos das viaturas queimadas, são os invisíveis. Na demagogia da realidade desfocada que estamos a viver eles não têm espaço, nem podem ter: vê-los e ouvi-los desfaz a visão maniqueísta da luta entre grupos racializados que sucedeu à luta de classes como motor não da História mas sim da conquista de poder e influência nas sociedades democráticas. O motorista Tiago, os passageiros esfaqueados, tal como muitos dos donos das viaturas queimadas, identificam-se pela sua condição laboral, não pela sua pertença a um grupo racial, logo no mundo das lutas identitárias eles estão claramente a mais. O que lhes acontece é uma espécie de efeito colateral. Por isso é quase natural e óbvio que, ao mesmo tempo que se espera e exige uma investigação rigorosa às circunstâncias da morte de Odair Moniz, pouco ou nada se pergunte sobre a investigação ao ataque a Tiago. Aliás até agora a única iniciativa de solidariedade com o motorista queimado é a petição “Ajude o Tiago”, lançada por Helena Ferro Gouveia.

Desde que Odair Moniz foi morto por um disparo de um agente da PSP que vivemos na tese obrigatória de que estamos perante um caso de racismo policial e que a onda de violência surgida depois corresponde a uma revolta dos bairros contra o racismo e as desigualdades. Ora o que se viu até agora foi essa violência recair precisamente sobre a população dos bairros, sobre aqueles que vivendo nesses ou noutros bairros estão a trabalhar, como era o caso de Tiago, ou a regressar a casa vindos do trabalho, como sucedeu com os passageiros esfaqueados.

O que não deixa de causar espanto e também indignação é que esta visão maniqueísta do mundo não seja tratada como aquilo que efectivamente é — visão de extremistas por enquanto minoritários —  mas sim como uma espécie de perspectiva obrigatória dos factos,

O senhor Íñigo Errejón  fundador do Podemos, do Más Madrid e por fim porta-voz da plataforma de esquerdas Sumar colocou um ponto por agora final na sua carreira política. Errejón é acusado por várias mulheres de assédio sexual, acusação que parece estar a prodigalizar-se nos meios esquerdistas por esse mundo fora, sobretudo nos que se declaram mais feministas.  Mas o mais interessante nesta até agora estrela da extrema-esquerda espanhola é a desculpa que apresentou para o seu comportamento: considera Errejón  que a exposição inerente à vida política “gera uma subjetividade tóxica que o patriarcado multiplica no caso dos homens.” A contradição entre a vida neoliberal que leva e o mundo novo que defende também foram invocadas para os abusos que perpetrou. Agora que caiu em desgraça percebe-se o ridículo do argumentário de Errejón, mas não só ele sempre argumentou assim, como há décadas que o senhor Errejón e os seus correligionários vivem da indústria da culpa. E com grande proveito.

Um dos casos mais intrigantes do jornalismo português é o das cimeiras ibéricas. Oficialmente os estados português e espanhol organizam cimeiras conjuntas. Vamos já na trigésima quinta. O nome oficial é Cimeira Luso-Espanhola. Contudo nas notícias o que encontramos são as referências à cimeira ibérica. Talvez seja mais fácil de escrever. Talvez soe melhor. Talvez pareça mais moderno. Mas do que certamente se trata é duma terminologia e evitar: ibérico é aquele termo em que Portugal se vê amalgamado no estado espanhol. Fiquemo-nos pelo institucional Luso-Espanhola. Dá mais trabalho a escrever mas um pouco de clareza nesta matéria só faz bem.

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