Nos últimos tempos, a pretexto da Covid, convencionou-se chamar “negacionistas” a todos os que ousam colocar em causa a palavra dos senhores que mandam nisto. Dado que a palavra destes muda a cada dia, ou às vezes em poucas horas, não se percebe qual o grau de amnésia, ou simples estupidez, necessário para se levar semelhante palavra a sério. Porém, esse não é o ponto. O ponto é que, conforme acontece nas nações menos afeiçoadas a preceitos democráticos, a prepotência e a inaptidão precisam de bodes expiatórios para não parecerem tão prepotentes e inaptos. E os “negacionistas” vêm a calhar. Mas não calha bem.
Começo por notar que os “negacionistas” não prejudicam ninguém: não são eles que propagam a Covid aos cidadãos cumpridores que, justamente por não serem “negacionistas”, não violam as 7.329 (em actualização) regras do “confinamento”, não se expõem a riscos desnecessários e nunca se cruzariam com um negacionista. Se pensarmos um bocadinho, é impossível por definição os cidadãos cumpridores apanharem o vírus, pelo que os hospitais, a estarem repletos, estão repletos de “negacionistas” a sofrer o justo castigo. Fora isto, há mais uns pormenores.
Não são os “negacionistas” que aplaudiram as restrições à liberdade até estas se revelarem tão catastróficas na saúde quanto na economia, momento aproveitado para exigir mais restrições e ilibar o governo no processo: antes do recorde de casos e mortes, o dr. Costa era um líder forte e redentor, agora é um santinho brando e com uma ponta de azar.
Não são os “negacionistas” que difundem notícias falsas ou selectivas acerca da “eficácia” dos “confinamentos”, e da sua aplicação “idêntica” em “todos” os países.
Não são os “negacionistas” que forçam “confinamentos” propensos a criar mutações agressivas no vírus e nas cabecinhas.
Não são os “negacionistas” que proíbem os espaços e as actividades ao ar livre, onde o vírus mal se propaga ou não se propaga de todo, para enfiar as pessoas em casa, após convívio caloroso nos transportes públicos, nos supermercados e, até ontem, nas escolas.
Não são os “negacionistas” que identificam a especial perigosidade do vírus em postigos, bancos de jardim, livros, cuecas, na água em “take away” e, depois das 20.00, na pinga.
Não são os “negacionistas” que culpam Trump, Johnson e Bolsonaro pelos efeitos da Covid nos respectivos países e isentam os nossos amados líderes da mesmíssima coisa.
Não são os “negacionistas” que atropelam o (escasso) consenso científico e o mero bom senso para se limitarem a abolir, obrigar e punir, de acordo com os índices de popularidade e falta de vergonha.
Não são os “negacionistas” que tratam os portugueses como criancinhas particularmente retardadas, com direito a prendinhas pelo Natal e a tautau pelos abusos subsequentes.
Não são os “negacionistas” que sobre a contenção da Covid já disseram tudo e o seu contrário, num desnorte que nos últimos dias chamou a atenção de várias juntas psiquiátricas.
Não são os “negacionistas” que andam há quase um ano a ignorar os lares de velhos, os quais contribuem com cerca de um terço das mortes “de” ou “com” Covid.
Não são os “negacionistas” que passaram anos a louvar o “melhor serviço nacional de saúde do mundo” ao mesmo tempo que lhe retiravam verbas e o deixavam no estado desgraçado que já se constatava antes da Covid.
Não são os “negacionistas” que por fanatismo ideológico recusam a colaboração dos hospitais privados, excepto através de ameaças tresloucadas de “requisição civil”, uma brincadeira que levaria os proprietários a fechar o tasco e os respectivos médicos a fugir em debandada da Venezuela.
Não são os “negacionistas” que, para disfarçar a debilidade dos hospitais públicos, condenam à morte milhares de pacientes com doenças pelos vistos arcaicas como cancros, enfartes e aborrecimentos afins.
Não são os “negacionistas” que se passeiam escusadamente por lares, hospitais e escolas, acompanhados por repórteres aos magotes e um genérico cheirinho a Terceiro Mundo.
Não são os “negacionistas” que elaboraram um plano de vacinação ridículo no papel e inexistente na prática: além do orgulho pelo maior número mundial de infectados e mortos, justifica-se cantar o hino pela menor percentagem de vacinados em todo o Ocidente, conquista que nos demorou apenas três semanas a alcançar.
Não são os “negacionistas” que arruinam pela falência centenas de milhares de famílias para fingir que se tomam “medidas” e “decisões”, a cargo de criaturas que nunca trabalharam na vida.
Não são os “negacionistas” que ouvem e reproduzem o palavreado canalha dos governantes sem uma dissidência, uma questão, uma duvidazinha sequer.
Não são os “negacionistas” que celebram “Abris” e “Primeiros de Maio” e “Avantes!” com especiais proximidade e carinho, no fundo para celebrar o privilégio de alguns face à ralé.
Não são os “negacionistas” que exigem a prisão domiciliária da população em peso, desde que o salário dos privilegiados não seja partilhado com os sacrificados para efeitos de “solidariedade” e “união”, penduricalhos tão bonitos na conversa fiada.
Não são os “negacionistas” que alimentam o medo destinado a transformar indivíduos adultos em bonecos servis, e uma sociedade num laboratório de experiências doidas.
Não são os “negacionistas” que escarnecem da pobreza que provocam a “salvar vidas” (desculpem) enquanto estrafegam o saque em “investimentos” na TAP e na banca.
Não são os “negacionistas” que espalham o caos e a irracionalidade para simplificar a conquista do Estado e atafulhá-lo com detritos em forma de gente.
Não são os “negacionistas” que usam a Covid para uma ofensiva furiosa contra tudo o que tenta respirar fora da órbita estatal, de hospitais a escolas, passando pela internet e pela liberdade em suma.
Não são os “negacionistas” que defendem a concessão de mais poder a quem usou o poder que já tinha para espalhar mentiras, desfilar arbitrariedade e exibir uma brutal incompetência.
Não são os “negacionistas”, nem a “estirpe inglesa”, nem o frio, nem o sector privado, nem o Natal que fazem com que Portugal caia nesta criminosa miséria: são vocês.