Uma pequena polémica no «Facebook» com a minha colega Marina Costa Lobo levou-me a reflectir sobre a natureza do populismo em geral e, concretamente, dos populismos de esquerda e de direita ou, mais precisamente, dos populismos de cima para baixo e dos populismos de baixo para cima, como seria mais adequado. Historicamente, parto do princípio que os populismos – venham eles de cima ou de baixo e apresentem-se eles como sendo de direita ou de esquerda – são na realidade todos eles anti-democráticos, embora uns mais do que outros!

Com efeito, a experiência de pouco mais de dois séculos de democracia representativa numa escassa parte do mundo demonstra à saciedade que só num regime democrático há verdadeiramente «esquerda» e «direita», em suma, um arco-íris de democratas que se sentam, segundo o modelo francês, da esquerda para a direita do semicírculo parlamentar de acordo com a tradição francesa e mais ou menos longe do «centro» conforme às políticas da maioria governamental.

Metodologicamente, não assumo qualquer ideologia partidária de esquerda ou de direita, muito menos a do «centrão», mas sim aquilo que o antigo presidente da República brasileira, Fernando Henrique Cardoso, chamou o «centro radical»! Tal como John Rawls entende a justiça social a partir desse «centro radical», entendo a democracia como regida por dois princípios: primeiro, a liberdade individual e só depois a equidade colectiva, sempre que o menos favorecido não fique pior do que num sistema distributivo mais equitativo.

Sendo isto a democracia, parto do princípio que os populismos não são nem deixam de ser de direita ou de esquerda, conforme pretendem às vezes apresentar-se, mas sim como provindo do alto ou do baixo da estratificação social. Por outras palavras, depois de o regime ditatorial ser derrubado pelo golpe militar de 25 de Abril, só dois partidos foram vistos como «populistas». O PCP é um caso à parte, no sentido em que se reivindica do «povo» mas foi feito de cima para baixo e nunca foi democrático: recorde-se o acordo nazi-comunista de 1939 rompido por Hitler em 1941… e apoiado até aí por todos os PCs do mundo: hoje, o PCP omite que foi Hitler quem rompeu o tratado depois de a URSS já saber pelos seus espiões que iria ser atacada em breve

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O primeiro partido visto como «populista» em Portugal foi o brevíssimo Partido Renovador Democrático (PRD), aparecido em 1985 e desaparecido em ’87; o outro surgiu há menos de dois anos: o CHEGA, cujo líder ficou em terceiro lugar na recente eleição presidencial com cerca de meio milhão de votos (12%), quando o partido obtivera nas legislativas de 2019 apenas 68 mil votos (pouco mais de 1%) e multiplicou portanto a votação do partido três vezes e meia. O CHEGA só teve um deputado devido à crescente desproporcionalidade das eleições legislativas. Com efeito, se o número de eleitos fosse proporcional aos votos, o CHEGA teria três deputados, como aliás outro novo partido – a Iniciativa Liberal – que teve um resultado idêntico.

Depois do 25 de Abril, o PCP beneficiou da liberalidade partidária, como em todos os países democráticos europeus a seguir à 2.ª Guerra Mundial, mas nem por isso deixa de fazer parte desses partidos populistas feitos de cima para baixo, mais do que o próprio fascismo italiano, o qual saiu da costela radical do Partido Socialista após a 1.ª Guerra Mundial.

Quanto ao PRD, é típico dos «populismos» feitos de cima para baixo, fabricado neste caso pelo presidente da República de então em conjunto com o PS e o PCP, cujos eleitores cederam um milhão de votos em 1985 ao desconhecido testa-de-ferro do PRD, Hermínio Martinho, a fim de barrarem o caminho ao vencedor das eleições, Cavaco Silva.

Como é sabido, porém, Mário Soares, eleito Presidente em 1986, menos de um ano após o PRD surgir, recusou convidar Vítor Constâncio – então líder do PS – a constituir governo com o apoio do PRD e do PCP, em suma, uma «geringonça avant-la-lettre». Assim, quando essa «esquerda» colocou Cavaco em minoria, Soares dissolveu o parlamento e convocou eleições em 1987 nas quais Cavaco obteve a primeira das suas quatro maiorias absolutas!

Voltando à actualidade, o CHEGA é, independentemente do papel pessoal de André Ventura, o primeiro partido populista português genuíno. Como escreveu Riccardo Marchi, esta forma de fazer política corresponde à vaga de desafecção partidária europeia, agora a crescer fortemente em Espanha. O CHEGA não só é capaz de recuperar eleitores e militantes desiludidos com a estagnada oferta partidária portuguesa como de dinamizar determinado tipo de abstencionistas. Se este populismo continuar a crescer, é porque existe de facto um espaço vazio em vias de ser ocupado de baixo para cima por descontentes das políticas actuais – e não meramente pelo rumor mediático!