Sei que ficam muito indignados e fazem-se de vítimas, com o argumento patético de que não aceitam o ‘quem não está comigo, está contra mim.‘ Talvez ainda não tenham percebido que há uma guerra na Europa. E talvez ignorem que numa guerra, ou estamos com um lado, ou estamos com o outro. A guerra não é um seminário académico, onde se discute questões filosóficas. É um combate entre dois lados, e não há lugar para a neutralidade. Melhor, os neutrais apoiam o agressor.

Obviamente, os “Putinistas” afirmam que não apoiam o regime de Putin e as suas violações de direitos humanos fundamentais. Nunca pensei que o fizessem. A verdade é que há democratas portugueses que estão ao lado da Rússia e de Putin nesta guerra. Não estão por não serem democratas, estão apesar de serem democratas. Há vários tipos de “Putinistas”. Uns são a favor de Putin porque são contra os Estados Unidos. Para eles, os males deste mundo começam e acabam nos Estados Unidos, por isso estarão sempre ao lado quem esteja contra os americanos. A maioria desses “Putinistas” é contra a democracia. Foram sempre assim, e serão assim para sempre. Não há nada a fazer. Nas sociedades abertas, existiram sempre grupos com tentações totalitárias.

Os “Putinistas” democratas são aqueles que criticam o regime de Putin, mas entendem muitas das “preocupações dos russos.” O alargamento da NATO é uma das supostas preocupações russas partilhadas pelos “Putinistas.” Em primeiro lugar, a Ucrânia não é, nem nunca foi, candidata a entrar na NATO. Na Cimeira da Aliança Atlântica de Bucareste, em 2008, a maioria dos países da NATO recusou a adesão da Ucrânia. Com a ocupação de parte da região do Dombass e com a anexação da Crimeia, a Rússia garantiu que a Ucrânia não entraria mesmo na NATO. A Aliança Atlântica não pode permitir a adesão de um país ilegalmente ocupado porque no dia seguinte a Ucrânia poderia evocar o artigo 5, causando uma guerra do Ocidente com a Rússia.

Putin sabe muito bem que a Ucrânia não poderia entrar na NATO. De resto, a sua principal preocupação não é a Aliança Atlântica, mas sim a União Europeia. A proximidade a Bruxelas ajuda o desenvolvimento económico e a consolidação da democracia na Ucrânia. Putin teme um país mais rico e mais livre nas fronteiras com a Rússia. Um país onde os cidadãos possam usufruir das liberdades e da prosperidade de que os russos não beneficiam.

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Quando o Muro de Berlim foi derrubado, Putin era um jovem oficial do KGB em Dresden. Sabe muito bem que não foram os misseis da NATO que levaram ao colapso da antiga RDA. Os antigos habitantes da Alemanha de Leste derrubaram o Muro porque queriam viver nas casas, guiar os carros, consumir os bens, e gozar das liberdades dos alemães ocidentais. Há um momento em que os habitantes das ditaduras e das economias fechadas querem viver em democracias e em economias abertas, sobretudo quando confrontam a sua miséria com a prosperidade dos vizinhos. Mas Putin não quer uma Ucrânia democrata e livre, e tudo fará para o impedir.

Os “Putinistas” portugueses também aceitam o argumento de que a Ucrânia não é na verdade um país independente e que pertence à nação russa, como “como mostra a História.” Este argumento é espantoso porque levado às últimas consequências, todos os antigos Impérios continuavam a ser legítimos e a maioria das antigas colónias não seria independente. O conflito na Ucrânia também é uma guerra imperial, onde a Rússia pretende reconstruir o seu Império, e a Ucrânia luta pela sua auto-determinação. É muito estranho assistir democratas portugueses aceitar os argumentos imperialistas russos.

Aliás, é muito interessante ver o uso selectivo da história recente por parte dos “Putinistas.” Falam de umas supostas promessas feitas pelos norte americanos de que a NATO nunca incluiria países do antigo Pacto de Varsóvia. Mas não há qualquer acordo escrito a renunciar o alargamento da NATO. De resto, só se entende o alargamento da União Europeia através do crescimento da NATO. Foram duas faces da mesma estratégia, e obedeceram à vontade política dos antigos como dos novos membros da UE e da NATO.

Ignoram, no entanto, o Acordo de Budapeste de 1994, no qual a Rússia reconheceu por escrito a independência e a soberania da Ucrânia em troca de Kiev abdicar do estatuto de potência nuclear, herdado da antiga União Soviética. Talvez esse tenha sido o maior erro político cometido pelos ucranianos. A guerra da Ucrânia não é da responsabilidade dos Estados Unidos, nem dos europeus, nem dos ucranianos. É unicamente a responsabilidade de um tirano chamado Putin. O ditador de Moscovo está disposto a destruir a Ucrânia para negar a independência, a liberdade e a prosperidade dos ucranianos. Ou seja, a negar tudo aquilo que os portugueses dão como adquirido desde o 25 de Abril (e o 25 de Novembro). E há portugueses que entendem as preocupações de Putin.

PS: Sou absolutamente contra os ataques contra os russos, ou sanções contra a sociedade civil russa, por exemplo na arte, na cultura e no desporto. O problema é Putin e o seu regime, não são os russos. Eles são as primeiras vítimas de Putin.