Multinacionais. Bancos. Bancos de investimento. Grandes escritórios de advocacia. Consultoras. Aquele ambiente que oscila entre o glamour, a tensão e a soberba. Quase todos se conhecem pelos corredores, quase ninguém se conhece de verdade. A fórmula se repete mundo afora.

Mas algumas figuras acabam por se destacar no meio dessas multidões. Fundadores, proprietários, sócios, membros do alto escalão. Não importa muito o que façam, importa que convençam todos de que são uma espécie contemporânea de semideuses.

Eles andam pelas empresas com um ar interessante. Parece que flutuam alguns centímetros acima do chão no qual pisam os mortais. Seus olhares só trabalham em três versões: o olhar inexistente, como se todos os demais fossem invisíveis e irrelevantes perante suas preocupações e incumbências. O olhar generoso, quando se dignam a cruzar seus olhos com os dos empregados e, por vezes, até fazem a benesse de sorrir. Por fim, o olhar disciplinador, com o qual sutilmente fuzilam aqueles que, desavisados, não estão no lugar certo, fazendo a coisa certa na hora certa.

O mais curioso é que os mortais da empresa realmente se convencem de que aquelas pessoas, ainda majoritariamente do sexo masculino, são, de fato, divindades em maior ou menor escala. Quando os semideuses aparecem, pessoas mudam a postura nas cadeiras, fecham janelas nos seus computadores, pousam o café na mesa, como se tivesse chegado o dia do juízo final. Um misto de medo e deslumbramento.

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Alguns ficam profundamente gratos quando recebem um simples “bom dia” ou “boa tarde” vindo deles. Mas, se por um acaso, o semideus souber o nome da pessoa, a emoção é tamanha, que alguns chegam a sentir pontadas no peito. Mais do que celebridades ou líderes religiosos, os membros da cúpula de uma empresa, no século XXI, acabam por convencer os demais que, definitivamente, estão acima do bem e do mal.

Cria-se, dentro das empresas, uma risível cultura que prega tacitamente que existem dois tipos diferentes de pessoas. Quase um sistema de castas corporativo. Alguns precisam ser tratados com reverência, pomba e circunstância, enquanto outros não merecem nada disso.

As grandes figuras do mundo corporativo não erram, não têm dor de barriga, não têm problemas de família nem de dinheiro, não sofrem de micoses nem de disfunção erétil, não têm dificuldades para lidar com a impressora, não choram, não têm medo nem têm dúvidas. Ou pelo menos é a imagem que tentam transmitir.

Uma espécie de fantasia, como se a empresa fosse um reino no qual os plebeus se esquecem da imensidão que é o mundo e se convencem que não há nada na terra mais sublime e relevante do que seus nobres. E os nobres, por sua vez, não se satisfazem com essa suposta nobreza, exatamente porque têm a mais plena certa de serem divinos.