As primárias no PS correram de feição a António Costa. Com uma vitória por uma margem clara e com o quase pleno das federações a nível nacional, Costa fica em boa posição para liderar o PS de forma confortável. Mas o sucesso da sua liderança vai depender da sua capacidade para lidar com vários desafios, entre os quais é possível destacar sete.
Primeiro, Costa precisa de evitar a todo o custo a tentação de se apresentar como uma espécie de segunda fase do socratismo, ainda para mais desprovida do seu activo principal: José Sócrates. Não será uma tarefa fácil. O atribulado consulado de António José Seguro prova à saciedade a dificuldade de liderar o PS com a oposição mediaticamente poderosa dos socratistas, a começar pelo próprio Sócrates que, goste-se ou não da mensagem e da personalidade, mantém intactos os seus dotes de exímio comunicador. Mas é um equilíbrio que Costa terá de conseguir. Nesse sentido, deverá ter cautela máxima com eventuais colagens a figuras como Vieira da Silva, Pedro Silva Pereira, Paulo Campos ou João Galamba, entre outros.
Segundo, o novo líder do PS deverá dar sinais claros de abertura e união interna. Seguro teve cerca de um terço dos votos a nível nacional e votações na casa dos 40% em distritos fundamentais para o PS. Ignorá-lo seria um erro político crasso. É compreensível que as feridas do aceso confronto pessoal com Seguro demorem algum tempo a cicatrizar, mas Costa teria tudo a ganhar em mostrar magnanimidade e boa vontade relativamente aos apoiantes de Seguro.
Terceiro, será fundamental gerir de forma inteligente a relação com o PSD. Costa certamente não deixará de pedir – e ambicionar – uma maioria absoluta, mas deverá estar consciente das dificuldades de a obter. A possibilidade de um cenário pós-eleitoral de bloco central, embora acarrete riscos significativos para o sistema político, está longe de poder ser descartada. Assim sendo, importará não queimar pontes para entendimentos futuros, até porque a boa relação pessoal com Rui Rio, por si só, não chega.
Quarto, o sucesso eleitoral do PS dependerá crucialmente da capacidade de Costa para conter a extrema-esquerda e também novos fenómenos que ameaçam o espaço eleitoral do PS, como o partido de Marinho e Pinto. A fragmentação crescente da extrema-esquerda – em especial a cada vez mais notória desagregação e descredibilização do Bloco de Esquerda pós-Louçã – é um factor muito positivo para o PS. Mas de pouco servirá se os projectos partidários de Rui Tavares e Marinho e Pinto forem eleitoralmente bem sucedidos.
Quinto, António Costa precisa de superar a imagem de que é essencialmente um produto dos tradicionais círculos e aparelhos de poder da capital. O resultado das primárias evitou uma clivagem regional mais pronunciada mas ainda assim basta comparar a votação de Costa em Lisboa com as suas votações no Porto e em Braga para perceber que há ainda um longo caminho a percorrer para que o novo líder do PS adquira um perfil nacional mais uniforme.
Sexto, a pacificação interna do PS e a sustentabilidade de Costa como líder dependerão decisivamente do desempenho do partido nas sondagens ao longo dos próximos meses. Se houve aspecto claro nas primárias, foi que Costa reuniu apoios com base na ideia de que estaria em melhores condições para derrotar a coligação governamental. A vitória expressiva aumentou ainda mais essas expectativas. Costa precisa agora de mostrar resultados. Se nos próximos meses as sondagens não apontarem para um PS no limiar da maioria absoluta, é provável que a situação interna no partido se comece a complicar.
Sétimo, e mais significativo, António Costa precisará de lidar com a realidade. Isso significa não apenas apresentar as suas ideias e propostas para o país, mas também estar à altura do difícil cenário que se antevê para 2016. Chegar a líder do Partido Socialista não garante que se consiga chegar ao poder. Mas chegar ao poder também está longe de garantir que se consiga governar à altura das expectativas criadas. O caso de Hollande aí está para nos recordar. E António Costa faria bem em reflectir seriamente sobre ele.
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa