Devemos conhecer esta semana o plano de emergência para a TAP e, eventualmente, o seu plano de reestruturação. Pelo que se vai sabendo, a companhia aérea vai precisar de mais de mil milhões de euros, que nesta fase poderão assumir a forma de obrigações convertíveis em acções, como se pode ler no Expresso.

E exactamente na altura em que se está a negociar esse plano, a Comissão Executiva da TAP toma decisões que coloca as lideranças políticas e económicas em uníssono contra ela. Convenhamos que não é muito inteligente, mesmo considerando que há erros parte a parte. E olhando para o histórico do presidente da companhia, Antonoaldo Neves, o problema da TAP pode ser, também, o seu presidente executivo. Embora a TAP tenha recuado e vá agora fazer um novo plano de reabertura de voos, o que o seu presidente fez revela no mínimo falta de bom senso.

O anúncio da reabertura de rotas por parte da TAP deve ser analisado em duas perspectivas: a das rotas e a concentração em Lisboa.

É incompreensível que a TAP tenha incluído, no grupo da reabertura de voos, rotas que incluem países ou cidades com os quais Portugal, por decisão do Governo, tem as ligações aéreas fechadas. Até dia 15 de Junho estão encerradas as fronteiras e, como tal, as ligações aéreas, com todos os países exteriores à União Europeia com excepção do espaço Schengen, dos países de língua oficial portuguesa ou com uma forte comunidade de portugueses, como se pode ver aqui. As excepções são assim os PALOP, sendo que no Brasil apenas são permitidos voos para São Paulo e Rio de Janeiro, o Liechtenstein, Noruega e Suíça e o Reino Unido, EUA, Venezuela, Canadá e África do Sul. Além disso estão encerrados os voos para Itália e as fronteiras com Espanha.

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Quando a TAP anuncia a reabertura das ligações com cidades como Fortaleza e Recife, Dakar ou mesmo Roma e Madrid, pressupõe-se que o tenha feito depois de a comissão executiva falar com o Governo. É com espanto que se percebe que não o fez. Ou seja, prometeu aos seus clientes que iria ter voos que verdadeiramente não sabia se podia ter, sem se preocupar em falar com as autoridades. Como se tivesse o poder de abrir as fronteiras.

É certo que esses voos estão prometidos para Julho, mas também é certo que o Governo, quando anunciou as restrições aos movimentos internacionais, disse que esse calendário, de 15 de Junho, poderia ser prorrogado. Era, por isso, obrigação da TAP perceber junto das autoridades portuguesas, designadamente o Governo, se tinha condições para prometer aos seus clientes voos que neste momento não pode fazer e que, verdadeiramente, ninguém sabe se o poderá fazer em Julho. Tanto mais que o encerramento de fronteiras está a ser decidido no quadro europeu e no caso específico de Espanha com entendimentos bilaterais.

Quanto a este aspecto, é indiscutível que Antonoaldo Neves actuou no mínimo com falta de bom senso, para não dizer que desrespeitou a lei da República e, enquanto responsável executivo da companhia aérea prejudicou a empresa, ao assumir compromissos que não sabe se consegue cumprir.

Já a decisão de concentrar os novos voos no aeroporto de Lisboa, que uniu todos os protagonistas políticos e associações empresariais contra a TAP, pode ter racionalidade financeira mas, mais uma vez, revela que a Comissão Executiva não percebe as águas em que está agora a navegar. Vai precisar de ajuda do Estado, ou seja, dinheiro dos contribuintes que é, neste momento, muito escasso para as necessidades que o país está e vai enfrentar na maior crise das nossas vidas. E, por isso, as suas decisões têm de ser ponderadas não apenas pelos critérios financeiros, mas também por critérios que contribuam para a recuperação económica do país.

Sim, é verdade que defender que a TAP leve também em consideração a vontade das regiões, com especial relevo para o Porto que é sempre mais vocal, é um caminho perigoso. Vimos o que deu, no passado, permitir que fosse a pressão das autarquias a decidir as auto-estradas. Hoje temos auto-estradas a mais, que não deviam existir porque não são rentáveis e estamos a pagar por isso.

A TAP não pode obviamente ser capturada por interesses vários, mesmo nesta altura em que morrerá se o Estado não lhe der a mão – neste momento não tem já tesouraria. Se se começam a decidir voos em função de quem grita mais alto, sem considerar a rentabilidade, a TAP precisará de muito mais dinheiro em ajuda do Estado do que aquele que se estima neste momento, por efeito da pandemia. Felizmente (e infelizmente) a Comissão Europeia deitará por terra essas tentações de captura da TAP para satisfazer eleitorados. O infelizmente deve-se ao facto de as próprias regras europeias da concorrência terem também elas muitos defeitos, como percebemos na era da troika.

Apesar de a reivindicação de mais voos com origem no Porto e em Faro ter os problemas identificados, a comissão executiva da TAP tinha a obrigação de ter sido mais cooperante, integrando-se enquanto parte de uma sociedade que está e vai viver uma gravíssima crise. Devia ter tentado encontrar um equilíbrio entre o interesse dos seus accionistas e o interesse do país num momento difícil. Uma empresa não é uma ilha e ainda menos o pode ser na conjuntura de crise que vivemos. Era obrigação da comissão executiva ter ouvido as associações do sector, com especial relevo para as do turismo e da indústria, assim como alguns autarcas. Não o fez, e cometeu um erro grave.

A Comissão Executiva vai agora emendar a mão e corrigir o que podia ter feito bem desde o início. Os membros do Conselho de Administração, onde estão representantes do Estado, avisaram, manifestando discordância com a decisão, como se pode ler aqui no Eco. Mas Antonoaldo Neves não os quis ouvir, revelando um perfil pouco adequado ao que se exige hoje a um qualquer gestor.

Não é a primeira vez que o presidente executivo da TAP mostra não ter o perfil certo para o cargo que tem. Foi, por exemplo, o caso da sua entrevista ao El Pais, onde foi criticar a ANA e o seu accionista, a Vinci, dizendo que não sabia nada de aeroportos e que prejudicava as contas da companhia. Ou ainda em Fevereiro quando, na apresentação dos prejuízos da empresa, disse que o aeroporto de Lisboa era o “pior do mundo”.

Uma companhia como a TAP tem de ser gerida num ambiente de cooperação, num equilíbrio complexo para não se deixar capturar por interesses partidários ou outros. Não pode ser gerida como se fosse uma ilha e não precisasse de ninguém. E ainda menos lançar criticas quando anuncia prejuízos, parecendo que se está a desculpar.

Depois do que se passou com o anúncio de reabertura dos voos, percebe-se a irritação do ministro Pedro Nuno Santos com a TAP. Desta vez nem o primeiro-ministro conseguiu manter a calma, face a tanta falta de bom senso da comissão executiva, para se dizer o mínimo. A TAP pode não ter apenas um problema financeiro, pode ter também um presidente executivo sem o perfil certo para os tempos difíceis e para os complexos equilíbrios, entre interesses privados e público, que a companhia vai enfrentar.