A Humanidade está a ser posta à prova e cada um de nós é convocado à escala global, mas também local, para superar o enorme desafio que temos pela frente. Queira-se ou não, nada voltará a ser igual depois desta pandemia, pois esta veio pôr a descoberto as enormes fragilidades do mundo em que vivemos e das sociedades que construímos.

Sejamos claros e verdadeiros: há muitas pessoas a atravessarem enormes dificuldades, derivadas da pandemia, mas também de um sistema económico e social que não estava preparado para lidar com uma situação como aquela que vivemos.

Esta pandemia é um tormento, mas pode ser também uma oportunidade.

No caso da Madeira, uma oportunidade para repensar o nosso modelo de desenvolvimento, dependente, excessivamente, do turismo e da construção e uma oportunidade para lançarmos as bases de uma sociedade mais equilibrada, com melhor redistribuição dos recursos e da riqueza.

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A nível social, nós temos problemas estruturais que exigem grande coragem política na sua resolução e outros conjunturais que, diga-se em abono da verdade, têm vindo a ser atendidos pelas políticas governamentais e municipais.

Olhemos os primeiros, os estruturais.

A primeira prioridade do novo ciclo que agora devemos iniciar é inverter o declínio populacional da Madeira. Estamos a perder população e as projeções indicam que nas próximas será décadas sempre a descer se nada for feito. Somos agora cerca de 254 mil pessoas e em 2035, daqui a quinze anos, poderemos ser apenas 227 mil se não forem tomadas medidas ambiciosas para fomentar a natalidade e travar o envelhecimento da população.

Dados do ano passado da Pordata, indicam que na Madeira o número de pessoas com mais de 65 anos (22 por cento da população) ultrapassou, claramente, o dos jovens com menos de 15 anos que representam apenas 15 por cento.

Estamos perante uma realidade que espelha um aumento da esperança de vida, um decréscimo da taxa de fertilidade e a diminuição acentuada da população ativa, o que pode provocar alguns problemas económicos e de sustentabilidade financeira da Segurança Social. O aumento da população idosa não pode ser encarado como um problema, mas como uma oportunidade de fazer mais e melhor. A todos os que já trabalharam e descontaram temos o dever da garantir qualidade de vida e um envelhecimento com dignidade.

Cabe-nos defender bons serviços de lares e de acolhimento, caso as famílias não tenham capacidade de resposta, mas também cabe às instituições de Solidariedade Social e à iniciativa privada apostar numa oferta de serviços capaz de responder a necessidades básicas das pessoas que já estão reformadas que têm dificuldades de mobilidade, mas que vivem nas suas casas.

Assim, a mais importante de todas as políticas sociais é acabar com este inverno demográfico na Madeira e ter políticas ambiciosas que permitam dar mais qualidade à vida dos nossos maiores e fazer crescer a natalidade. Este objetivo não se consegue apenas com cheques-bebé ou com subsídios, mas com um forte investimento no apoio às famílias, com novas políticas fiscais e de segurança social e com novas leis laborais que propiciem aos jovens casais estabilidade no mercado de trabalho.

A base de qualquer política social é o emprego, tendo o máximo de postos de trabalho com salários justos e o mínimo de desempregados com perspetivas de voltar ao mercado laboral. Quando as pessoas têm trabalho bem remunerado, grande parte dos problemas sociais estão resolvidos.

O segundo grande problema é a distribuição da riqueza.

O nosso sistema fiscal e de segurança social nacional castiga em demasia os rendimentos do trabalho e não incentiva a produção e a competitividade, nem premeia o esforço e o mérito. O resultado é uma classe média duramente castigada e com tendência para empobrecer ou estagnar. Isto é, o nosso elevador social está parado há demasiado tempo.

O sistema fiscal e todas as outras políticas têm que ser reformadas para permitir uma melhor redistribuição da riqueza, criada anualmente na região e no país e para esbater o fosso entre os mais pobres e os mais ricos.

O terceiro grande problema são as desigualdades territoriais, como a desertificação do norte da Madeira e dos concelhos mais afastados do Funchal, que provoca uma macrocefalia na capital e constrangimentos no acesso à saúde, à educação e a outros serviços essenciais. A descentralização de competências e meios financeiros para os Municípios mais afetados pelo despovoamento e a deslocalização de serviços públicos para esses concelhos pode ser um caminho a percorrer.

O quarto grande problema é a educação e qualificação dos nossos ativos que é ainda muito insuficiente, o que contribui para uma baixa produtividade e induz à prática de baixos salários, o que leva a uma manutenção da pobreza estrutural. Precisamos de uma forte aposta na digitalização das empresas e do ensino, na qualificação de trabalhadores e empresários e na promoção dos cursos técnico-profissionais, pois só assim poderemos ter empresas de maior dimensão, a produzir mais e a criar empregos mais bem pagos.

Em resumo as políticas sociais só por si resolvem pouco, já que, demasiadas vezes, atacam as consequências, mas não vão ás causas da miséria, da pobreza, da privação e da exclusão social. E a causa é uma economia em recessão ou estagnada que gera emprego precário e pouca riqueza que, ainda por cima, não é equitativamente bem distribuída.

Sendo estes alguns dos problemas estruturais diretamente ligados às questões sociais, podemos ter a certeza que enquanto não os resolvermos, teremos sempre o aparecimento dos problemas conjunturais, seja por via de uma crise económica, seja devido a uma pandemia como aquela que enfrentamos. É indiscutível que a paralisação económica está a provocar uma pandemia social e os próximos meses vão ser particularmente dolorosos para muitos madeirenses que perderam o emprego, os que trabalhando por conta própria não têm trabalho, ou estão em layoff e viram os seus vencimentos reduzidos, outros que não conseguiram segurar os negócios familiares e entraram em insolvência ou então os que estavam na economia informal e agora não têm qualquer suporte e apoio para as suas despesas. É verdade que os governos e os Municípios foram rápidos nas respostas a muitas destas situações, mas é igualmente certo que a burocracia fez demorar, adiar ou mesmo anular muitos dos prometidos apoios.

O Fundo de Emergência para Apoio Social e o Fundo de Apoio Regional a Organizações Locais, bem como outros governamentais já existentes, como o Rendimento Social de Inserção ou medidas como os programas Ocupacionais de Trabalho e os Estágios Profissionais, complementados pelos programas municipais, têm sido decisivos para atender às necessidades sociais das famílias. Mas tenhamos consciência de que não chega e que vamos ter pela frente meses dolorosos em que vai ser necessário estarmos muito atentos ao que se passa na nossa sociedade, sob pena de rompermos partes do nosso tecido social.

A retoma vai ser gradual, lenta, difícil e só quando começarem a chegar as verbas do Fundo de Recuperação Económica da União Europeia, no início do próximo ano, e o turismo regressar ao ritmo normal, sem data prevista, é que poderemos aspirar a uma mudança no frágil tecido social da Região. Até lá temos que fazer tudo para manter a paz social nas nossas ilhas, pois essa é uma condição essencial para voltarmos a ter crescimento económico e emprego.

Neste momento difícil, muito difícil da vida nossa Região, reafirmo a urgência de um Pacto para o Crescimento Económico, o Emprego e a Justiça Social, envolvendo Governo, maioria, oposições, partidos, parceiros sociais empresariais e sindicais, Câmaras, Juntas de Freguesia, associações da sociedade civil, Instituições Particulares de Solidariedade Social, escolas, paróquias, toda a comunidade, num movimento que possa gerar uma nova era de progresso e desenvolvimento para a Madeira e Porto Santo, com melhores empresas, mais emprego e mais equilíbrio social.