Às vezes, mais vale ser o relógio parado que, pelo menos, está certo duas vezes ao dia. É verdade que só se desfruta em duas ocasiões a cada vinte e quatro horas e é, ali, um ou dois segundinhos, mas são um ou dois segundinhos muito intensos em que se está absolutamente correcto. É também o que acontece com um país como Portugal, onde, por norma, não se passa nada de relevo internacional. O que no caso das manifestações pró-Hamas em universidades, como têm acontecido nos EUA e na Europa, é uma óptima notícia.
Parece-me que essa chalupice ainda não chegou cá. Pelo menos consultei, há pouco, notícias sobre a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e não vi nada sobre manifestações pró-terroristas. E se não se passa nada no Epicentro Interdisciplinar de Desvarios Adolescentes Tardios é porque não se passa nada em lado nenhum. Nem manifestações a favor dos terroristas islâmicos, nem sequer manifestações contra os terroristas que conduzem automóveis, visto as alterações climáticas que estes supostamente provocam serem, por estes dias, tão propícias, antes, a uma ida à praia.
A única manifestação estudantil com que me deparei nos últimos dias foi uma de que até gostei, confesso. Só pecou por tardia. Refiro-me ao protesto estudantil do movimento Fim ao Fóssil, que bloqueou a entrada do Banco de Portugal, em Lisboa. Giro, sim senhor, mas se têm feito esta manifestação em finais de julho de 2020, bloqueando a entrada no Banco de Portugal do fóssil político, Mário Centeno, aí, sim, teria sido perfeita.
E por falar em fósseis, parecem estar já remetidos para a pré-história da política portuguesa o suposto asco do Partido Socialista em relação ao Chega e o presumido nojo do Chega em relação aos socialistas. Está visto que sempre que estiver em causa o alto desígnio de tramar o governo, Pedro Nuno Santos descerá tão baixo quanto necessário. Desta vez aprovou, com o apoio do Chega, algo que negou ser possível durante os oito anos em que o PS foi governo: o fim das portagens nas ex-SCUT. Está giro. Luís Montenegro foi empossado líder do governo, mas são medidas aprovadas por PS e Chega que podem, mais do que deixar o país empoçado, levar-nos mesmo outra vez ao charco.
É a nova estratégia do PS para reduzir a vantagem que o partido tem de três bancarrotas a zero em relação às demais forças partidárias. E é bem visto, convenhamos. Quando governa, o PS esmifra-nos até ao tutano para apresentar “contas certas”; quando é oposição, aprova, com ajuda do Chega, tudo o que possa contribuir para bancarrotas de governos liderados pelo PSD.
Não quer isto dizer que o PS, lá no fundo, não continue a abominar o Chega, atenção. Acho não haver dúvidas que abomina. Agora, na escala de coisas que o PS abomina, acima do Chega – que, por sua vez, já está bem acima do Abominável Homem das Neves – o PS abomina ainda mais que, de quando em vez (muito de quando em vez, para mal dos nossos pecados), os portugueses tenham o desplante de pôr outros partidos no governo do país. Isso é que o PS não tolera.
De facto, trata-se de algo quase tão intolerável como, por exemplo, alguém vir, de repente, enquanto estamos a comer, tirar-nos batatas fritas do prato. Mas também, quem teria tamanha falta de noção para fazer uma coisa dessas? O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, claro. “Marcelo Rebelo de Sousa” que é, aliás, a resposta mais segura sempre que a pergunta seja “Quem teria tamanha falta de noção para fazer uma coisa dessas?” Desta vez, à passagem por uma esplanada, o Presidente topou um prato de batatas fritas, hesitou, voltou atrás, e, tumba!, toca de açambarcar uma mão cheia de fritas. Se já parecia difícil o mandato de Marcelo acabar com dignidade, por este andar é muito provável acabar com colesterol.
Uma coisa é certa, este episódio não poderia fazer parte do programa de António Costa no novo canal de televisão, o Now. Isto porque o show do ex-primeiro-ministro pretende “mostrar um Portugal cheio de bons exemplos”. E se é de bons exemplos portugueses que será preenchido o programa, serão dos dez segundos mais interessantes da televisão nacional.
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